2007/02/25

As minhas aventuras começaram nesta viagem após a passagem da fronteira entre o Senegal e a Mauritânia
(falta ilustrar com fotos)
onde nós três, em dois jipes, partimos deixando o grupo, tendo naquele dia pela frente cerca de duzentos e cinquenta quilómetros de pista em zona de savana para alcançar a capital da Mauritânia, Nouakchot.

No caminho fica uma pequena cidade chamada Rosso.
Já por duas vezes, há oito anos e numa pista junto ao mar, passei perto daquela cidade e agora há quinze dias atrás, em trajecto pela própria praia, o mesmo aconteceu.

Finalmente no caminho certo,
lá ia conhecer Rosso.

O meu principal interesse era saber como seria uma cidade do sul da Mauritânia.

A Mauritânia é, sem dúvida, totalmente diferente dos restantes países que conheço, mesmo dos de África.
O seu povo mostra uma dignidade nos gestos e trajes que não se encontra nos países limítrofes.
São afáveis e simpáticos, na quantidade absolutamente certa e metem conversa connosco de forma despropositada, fazendo-o aparentemente por obrigação educacional, com um comedimento e discrição distinta, o que me leva a admirá-los, mas a não os compreender totalmente.
Parece ser uma forma de educação correcta mas, como são reservados, não se deixam conhecer.
Parecem europeus no trato, mas têm usos e costumes aliados a fortes conceitos islâmicos completamente diferentes dos nossos.
Gostam, aparentemente, dos portugueses, sabem que fomos o primeiro povo estrangeiro a visitá-los e a com eles fazer trocas comerciais, e todos sabem que existe uma família em Atar descendente de portugueses, os Santos, que ainda não tive tempo de visitar, mas que tenciono fazer numa próxima viagem àquele destino.

Será que em Rosso o povo se comporta do mesmo modo?

Preciso de conhecer uma cidade Mauritana com identidade própria.

Nouakchot, como todas as capitais, não a tem. Noadibou, pescas e negócios, ainda menos; Atar, turismo que, como todos os lugares turísticos, sofreu descaracterização.

Como seria Rosso?

Rosso

Ao chegar verifiquei que a estrada não passava pelo seu interior e, por rádio, lá segue a pergunta-pedido para os meus dois companheiros.

Então, vamos entrar não é?
Resposta (não vos disse que no outro carro a pressa era grande):
Vamos é para Nouakchot, para tomar banho e jantar.

Tomar banho e jantar faz-se todos os dias, ir a Rosso não.
Quinze minutitos davam para suavizar os olhos da pista, sair da monotonia savânica só cortada por alguns javalis e olhar para o que de agradável Rosso teria para nos mostrar.

E lá me encontrei com os meus pensamentos, que fluem sempre nos momentos de contrariedade.

Sou democrata, e 2/3 da vontade das pessoas sem dúvida que vencem mas, por vezes, mais vale um ditador com ideias certas do que muita gente com ideias erradas.
O que acabei de escrever é politicamente incorrecto e perigoso , e ainda não sei se fica se apago mas, quando a maioria nos contraria, pensar assim tem lógica, mas incutiram-me que é errado, porque a democracia é sempre melhor, tem é que se educar as pessoas para pensarem igual a nós,
pronto já percebi,
esqueci-me anteriormente de fazer campanha eleitoral.

No dia seguinte continuava a imperar a pressa e, apesar de querer comprar comida em Nouakchot antes de nos pormos à estrada, a resposta foi a mesma, lá para a frente logo se compra, ao que respondi, sem ter a certeza:
- olhem que pode não haver...

Embora conheça a Mauritânia, o trajecto que sempre fiz, sul norte, era o existente, uma pista intragável para camiões, que só conheci em pequenas partes ou a areia da praia utilizada por todos os carros ligeiros, que nós sempre preferimos, quanto mais não fosse pelas belezas naturais que incluem por exemplo o Banco de Arguin.

A estrada asfaltada que íamos fazer é nova, tem apenas dois anos, e faz toda a travessia de norte para sul do Sahara, na zona mais despovoada do nosso planeta, paralela e perto da costa. (isto é para ver se estão atentos e me dizem que são os.........)

Mesmo assim sempre pensei possível, como várias vezes tentámos, a compra de comida, pão ou algo parecido e qualquer coisa que o acompanhasse, mas nos sítios críveis onde fomos, e foram alguns, o que nos ofereciam era chá e uma tenda para comer comida, mas a transportada pelo próprio viajante.

Para mim comprar comida não era muito importante, pois em “Roma sê romano”, ou melhor,
”no deserto sê nómada”,
e assim faço-me sempre acompanhar de tâmaras colocadas estrategicamente junto à alavanca das mudanças do jipinho.

Tenho também, e sempre, bolachinhas de aveia, que desta vez arrumei tão bem no jipe em minha casa que só as tornei a encontrar novamente, quando o descarreguei também em minha casa, o que é uma vantagem, pois para a próxima viagem já não preciso de as comprar.

O tempo estava enevoado e a temperatura baixa para a zona, o que o meu carro muito agradecia, pois o ponteiro da temperatura teimosamente aproximava-se cada vez mais do vermelho até que, farto da situação e para ter a certeza de que o meu mecânico tinha razão, pus o jipito uns tempos nos 140 e o ponteiro da temperatura automaticamente no vermelho, parei para verificar a água do radiador que, como esperava e o mecânico me tinha dito, não era condizente com a temperatura indicada, o que confirmava a certeza de que era no sensor da temperatura da água que estava o dano.

Problema resolvido mas problema agravado, agora conduzia sempre com o ponteiro da temperatura no máximo, com a possibilidade de saber, caso o jipe aquecesse, que o motor indicaria que tinha aquecido quando entregasse a alma ao criador, situação sempre aborrecida em qualquer lugar, mas mais constrangedora na área onde me encontrava.

O Sahara ameaçava chuva e caíram de facto algumas gotas de água, a estrada tem um movimento nulo, as tâmaras vão semeando caroços na areia da berma, as garrafitas de água vazias vão sendo atiradas para traz da baquet, com uma regularidade de duas horas ureia e outros ingredientes regam os caroços das tâmaras na berma da estrada e os quilómetros vão-se carcomendo com uma média idêntica ao do ponteiro do velocímetro.

Àquilo a que nós chegámos,
fazer metade do Sahara de Sul para Norte em pouco mais do que cinco horas.
Há dois anos eram precisos dois dias.

Que saudades dos tempos antigos...

Progredia-se na areia molhada da praia, de janelas abertas com a espuma húmida do mar a bater-nos na cara e a convidar-nos ao banho de mar que, mesmo no Inverno, é mais quente que o do Algarve.
Tinha que se parar na praia porque a maré não permitia o avanço, ai o descanso.
Tomava-se um banhoco enquanto o peixe a pular de vivo, assado na praia, era preparado para a refeição que antecedia a sesta à sombra do jipe.
Tagarelava-se com os locais que conseguiam consultas de borla acompanhadas dos próprios medicamentos e sem exigência de taxa moderadora.

Mas o progresso asfaltado também traz vantagens, permitia-nos ir comer, cerca da hora da merenda, a Barbas, a primeira bomba de gasolina do Sahara Ocidental, isto contando já com uma travessia rápida da fronteira com passagem dos cinco “gabinetes” entre os dois países, em duas horas.

Mas o aparente progresso enganou-me.

Eu estava em África e a chegada à fronteira fez-me acordar para a realidade.

A fronteira estava fechada para almoço,
nem perguntámos por quanto tempo pois ali o tempo não conta, a burocracia é grande e depois de comer os homens precisam de descansar ou talvez de irem ao supermercado, ao clube de video, ao banco, ao centro comercial (esqueçam, isso é o que nós fazemos, eles ali têm quilómetros de deserto em redor e talvez alguns sofram da prostata e demorem a faxer xi xi ou talvez tenham prisão de ventre e o có có duro,demorado)
Naquele dia havíamos de passar e consoante a hora ou dormíamos no “hotel” das bombas de Barbas ou, caso corresse tudo bem, de madrugada chegaríamos a Layoune.

Os nossos amigos Libanezes.

À nossa frente um carro de matrícula senegalesa tinha sido o primeiro a ser barrado na travessia.

Ávido de conversa pois viajava sózinho. começo na tagarelice com os seus ocupantes, três libaneses e um marroquino extremamente simpáticos que estavam já puxando do farnel.
Convidam-nos para o repasto,
pão libanês, conservas, leite.
Eu ofereci o que tinha, aparelhagem para abrir latas, dodots para limpar as mãos e tâmaras e aproveitei o tempo para falar e, claro, comer.

Eram homens de negócios que iam para Marrocos em busca de os conseguir, mas com o decorrer da conversa já eram turistas que iam passar férias a Marrocos, não interessa, comemos bem e ainda nos deram chá feito à moda do Líbano, e presentearam-nos com café em pó que ontem fiz em casa, na cafeteira, e que pensava ser igual ao que bebia na Turquia e que me fez ir comprar uma lata de Nescafé, mas não, é saboroso, aromático e com gosto a perfume de flores.

A barreira foi aberta e lá passámos com os nossos amigos libaneses, que usaram na primeira fronteira passaportes senegaleses e na segunda marroquinos.
Que tenho eu a ver com isso, foram simpáticos e comi melhor do que só tâmaras.

No caminho para cima, na meditação habitual ajudada pelo barulho do rodar dos pneus no asfalto, lembrei-me de uma situação idêntica de fecho da mesma fronteira e à mesma hora, e também dessa vez comi com uns libaneses homens de negócios que também iam para Marrocos de férias, coincidência, hum?

Espero que os satélites não nos tenham tirado fotos durante o vivo convívio.

O resto da tarde daquele dia foi de uma óptima progressão, que nos levou a horas um pouco adiantadas aos lençóis do hotel de Layoune, o mesmo onde o exército da ONU também pernoita, mas sem que antes não desperdiçássemos a oportunidade de comer, no Cabo Boujadôr, uma ceia de peixinhos assados na brasa, numa tasca, que tinha mais gordura nas paredes, chão e tecto do que a que existia nos próprios peixes.

Tinha que prestar contas das refeições e já tinha deparado com dificuldades diversas na passagem das facturas,

mas ali foi o auge.

O dono da tasca, ao pedir-lha, fez o gesto manual de não ter esferográfica e eu arranjei-lhe uma; como o gesto se mantinha, seria de certeza falta da factura, tendo eu ido buscar um “guardanapo”.
O pior foi quando descobri que o homem não sabia escrever….
Mas que importa, o peixe ali é muito barato e paguei eu.

Layoune ou El Aaiún - capital do Sahara ocidental

Acordei mais cedo do que os meus colegas de viagem e, enquanto eles tomavam o pequeno almoço, busquei na saída da cidade uma estação de serviço para mudar filtros e o óleo do meu jipe que, apesar de boa qualidade, já tinha sofrido demasiado.

Estória
Título:
Estação de serviço com mecânico muito especializado…
ou

Lei de Murphi. Quando se muda o óleo pode haver problemas,
mas tantos....
ou

O pior foi

O pior foi que havia duas estações de serviço mas não mudavam óleo, só na cidade.
Voltei atrás e, depois de muitas tentativas, encontrei na mesma rua duas pequenas oficinas.
Parei apreensivo em frente de uma delas, mas quase de imediato aparece o dono que, pelos cumprimentos efusivos, me devia conhecer desde pequeno, mas como não me lembrava disse-me logo para meter o jipe lá dentro, porque ele era um mecânico de aviões e helicópteros e como estava reformado abriu aquele negócio.

Fique logo mais descansado e com cuidado lá introduzi o jipe na porta que pouco mais larga era do que o carro e
o pior foi
quando apurei que, apesar da frente do carro estar encostada à parede, as rodas traseiras do jipe permaneciam no exterior, ficando assim o motor desnivelado e logo o óleo não escorreria todo.

Mas cinco litros de óleo novos, juntos com um litro do que não escorria, era melhor do que seis litros de óleo usado.

O pior foi
quando fui escolher o óleo, apesar de boas marcas parecia estar nos anos 50 e perguntei-lhe se não havia melhor, respondendo-me ele que no armazém ao lado havia e que podíamos ir lá escolhê-lo.

Acedi mas
o pior foi pois para sair apurei que havia apenas 20cm entre a porta e o carro e aprontei-me para tirar o carro, único modo de chegar à rua.
Logo o dono da oficina disse:
-não é preciso olhe e passou.

No Dakar tinha emagrecido cinco quilos, se calhar dava, experimentei, forcei e resultado,

o pior foi
que fiquei entalado entre a porta e o jipe,

auxiliado pelo ajudante de mecânico que me empurrava e pelo mecânico que me puxava para o exterior.
Resolvi expirar todo o ar e eis que a manobra ficou concluída, mas
o pior foi,
a t-shirt acabadinha de vestir ficou besuntada de óleo de ambos os lado e suja frente e trás.

Lá me dirigi para o armazém que afinal era perto, mas que afinal era a outra oficina, a do outro colega do mecânico e onde afinal
o pior foi os óleos serem todos iguais aos que eu acabara de ver.
Disse ao mecânico que desistia da mudança do óleo e voltei para a oficina para retirar o jipe.
Mas
o pior foi entrar?
Experimentei o outro lado do carro onde a distância entre ele e a porta me pareceu maior, conseguindo completar a manobra sem qualquer ajuda, sujando menos a t-shirt mas rasgando-a ao prender-se em qualquer coisa.
Que importa, já tinha pensado pô-la no lixo por tantas nódoas de óleo.

O pior foi quandoAvaliei então a eficiência da oficina, o ajudante do mecânico sem ter dado conta, já tinha tirado todo o óleo do meu carro.
Lá voltei à outra oficina, escolhi um óleo que me pareceu com características de menos mau, oriundo dos Emiratos Árabes e
o pior foi querer por força da qualidade, que o preço fosse superior aos dos outros, mas que eles garantiam ser do mesmo preço, ao que pensei, pois não gosto de ser enganado, ser isto uma consequência do mercado árabe unido…

Paguei o óleo e como o mecânico já o levava corri para a outra oficina para verificar se de facto era daquele óleo que iam meter.

E o pior foi que conseguiram chegar primeiro, para entrar tive de me baixar para não destruir mais a t-shirt, e cheguei já com a extracção do resto da primeira lata de cinco litros, e a preparação de imediato da colocação dos segundos cinco litros.
Protestei e disse que tínhamos de ver o nível.
O nível na vareta mostrou estar um pouco abaixo do máximo, ao que proferi:
-metam só um pouco
Então, para medirem, pensei eu, deitaram o meu óleo para outra lata de dois litros aparentemente vazia (?) e
o pior foi quando começaram a deitar todo o conteúdo para dentro do motor.

Comecei a gritar para pararem, ao que o mecânico dizia não, pois já se tinha apercebido que o carro levava sete litros, gritei mais e lá pararam.
O pior foi quando fomos ver o nível que confirmou o que já sabia, estava uns dois dedos acima do máximo.

Agora dizia o mecânico:
Vamos tirar.

O pior foi que tinha a certeza que passaria ali o dia metendo e depois tirando e depois faltava e metia mais.
Queria mudar o filtro de gasóleo e o do ar mas desisti.

O homem só sabia trabalhar em aviões e helicópteros
(nunca mais aprendo).

Perguntei quanto era:
O que eu quisesse
Ham … e insisti
Cem Dm.
Ham… dois contos, tanto?

Pensas que sou americano.
Toma lá cinquenta.

Tirei o carro e retirei dele uma nova t-shirt que vesti, dei a outra ao miúdo ajudante do mecânico, despedi-me deles e ao entrar para o jipe (não o consegui a tempo)
o pior foi que auferi duas palmadas nas costas de despedida do meu “amigo” mecânico,
o pior foi com as mãos ainda sujas de óleo.

Fugi
a pensar que, sentado no jipe, a t-shirt não pareceria suja, e que só a mudaria a cem quilómetros dali.

E o pior foi

como explicar aos meus apressados companheiros que esperavam por mim na saída da cidade, junto ao rio, quando me fizessem a pergunta:

O porquê de tanta demora a mudar o óleo?

A resposta:
África,

Será que era plausível?