2007/02/13

Euromilhôes Lisboa Dakar 2007
(falta completar com fotos)

Ainda não acabei de escrever a última estória e estou já a contar-vos, de facto, as últimas estórias que tenho o “karma” de me estarem sempre a acontecer..

Estas passaram-se em Janeiro último, na expedição que acompanhou o Lisboa Dakar 2007 e para a qual fui contactado ou convidado, como queiram, para trabalhar.

A expedição estava toda programada e, com a nossa empresa a fazer a logística, tudo ou quase tudo correu bem, pelo que as estórias são para mim menos interessantes…

As minhas aventura só começam no regresso, a partir da fronteira do Senegal quando, por motivos de chamamento do nosso “ganha pão”, eu e mais dois colegas da expedição, em dois jipes, resolvemos deixar os outros sete veículos da organização e metemo-nos à “estrada”.

Precisava de chegar mais cedo a Portugal, mas:

Estava muito apreensivo com o regresso.

O meu jipe, depois de cerca de dez mil quilómetros de ”estradas” e pistas de África, não estava nas devidas condições.

O ponteiro da temperatura mostrava aquecimento, no habitáculo o cheiro a gasóleo misturava-se com cheiro de escape e alguns muito audíveis e estranhos barulhos, que não provinham do rádio, não mostravam bom augúrio.

Tinha à minha frente muitos quilómetros de viagem na zona mais inóspita do planeta, o atravessar do Sahara.

Dos cinco elementos que acho necessários para atravessar um deserto, faltavam-me dois: o saco cama, que tinha perdido no último bivouac do Dakar, e um carro em boas condições mecânicas.

Por outro lado, tinha a agravante de ter como companheiros de viagem, no outro jipe, duas pessoas com muito mais pressa do que eu para chegar a Portugal e que não conseguia prever como reagiriam no caso de imobilização (avaria) da minha viatura.

O meu jipinho, eu nunca poderia abandonar,
pois tinha no seu interior aparelhagem médica de muito valor, que incluía um ecógrafo, um monitor cardíaco com desfibrilhador, duas macas cocki, aspirador, talas, planos rígidos, medicamentos, computador, etc....

E mesmo que não houvesse todo esse material, o meu jipe até hoje nunca me apeou, e apesar de eu por vezes o tratar mal, (nesta expedição até caí duma duna, mandando para Alá o apoio de um dos amortecedores) adoro-o, pelo que também eu nunca o abandonaria (os homens são assim).

E assistência em viagem é uma das miragens possíveis naquela zona.

Tinha, no entanto, uma esperança, caso ficasse sozinho no Sahara, todo o restante grupo me encontraria o mais tardar três dias após, pois o trajecto que iriam fazer era idêntico ao meu.
Nesse grupo vinham mecânicos e a possibilidade de reboque para porto seguro.

O grande Prémio do Lago Rosa.

Deixámos Saint Louis, uma cidade cuja vista através e para além da ponte, bem como a chegada ao Hotel histórico La Poste, se mostrou muito mais romântica e mítica do que o Lago Rosa ao qual, na minha mente, eu aplicava esses adjectivos, e onde senti uma emoção por ali estar e uma desilusão ao pensar:


Isto é que é o Lago Rosa?


A nossa expedição tinha horários a cumprir e não havia tempo para grandes visitas e eu estava aperreado como médico do grupo, não me podendo “desenfiar” para ver um pouco mais do Lago Rosa e da aldeia junto a ele, aparentemente de aspecto bastante típico e com bastantes roliças agradabilíssimas à vista.

(Roliças são uns seres denominados pelo meu grupo, que existem em abundância no Senegal. Segundo dizem, estas roliças são as melhores de África.
Mais pormenores?
Todos as achámos perdidas de boas.)


Além disso, dois dias mais tarde, voltaria ao Lago Rosa para assistir ao final do Lisboa Dakar 2007, o Grande Prémio do Lago Rosa; mas nessa altura a desilusão ainda foi maior, pois não só havia corte de acessos pela polícia, como fui colocado no Bivouac VIP da chegada do Dakar.

Quando lá cheguei, claro que gostei, pelo que representava aquele lugar, por estar a assistir ao final de um Dakar no mais privilegiado dos lugares.

Mas para mim esta presença na tenda VIP nada mais teve do que isto, pois preferia ter visto o Lago Rosa e o princípio, o meio ou o fim do Grande Prémio, e não o fiz por o dever se impor à vontade.

Aproveitei o tempo para falar com os nossos pilotos, pelos quais nutro muita admiração, principalmente pelo Carlos Sousa e pelo Hélder Rodrigues, que conseguiram o resultado máximo possível, pois ambos se classificaram em primeiro lugar da segunda corrida do rali, a dos privados.

Desejávamos para o Carlos o primeiro lugar dos Volkswagen e sei que o podia ter alcançado,principalmente após a desistencia do Villers, tal como teria obtido melhores resultados nas etapas se, tal como eu, não estivesse por vezes aperreado em conseguir a sua vontade.

Melhor resultado para o Carlos na geral seria difícil,
pois bater a fiabilidade dos MITSUBICHI É IMPOSSÍVEL.
É DEVIDO A ESSA IMPRESSIONANTE FIABILIDADE QUE A MITSUBITCHI CONSEGUE GERIR TODA A PROVA À SUA VONTADE.

Falei também, e uma vez mais, com a Elisabete Jacinto, uma figura simpática e aparentemente frágil aos comandos do seu camião, dei os meus parabéns aos meus amigos, os manos Inocêncio, o Francisco e o Nuno e ao também meu amigo Ricardo Leal dos Santos que conseguiu, pela segunda vez, terminar a solo mais um Dakar, obtendo mais uma vez o primeiro lugar a solo nos jipes (buggies não são jipes) e não houve mais tempo para dar parabéns aos outros Portugueses, mais não fosse, por terminarem a prova, nem sequer para o nosso amigo do Defender, com o qual também tenho uma estória, que já agora conto.

O nosso amigo do Defender

Falei pela primeira vez com ele na partida de uma das etapas, como faço com todos os portugueses, não sei é em qual delas foi, pois o volume de toda a informação recebida foi tal, que a memória já me falha; recordo o que aconteceu, mas o onde, foi-se.

Neste Dakar tive uma atitude diferente da habitual, de só falar ou fotografar os pilotos e as suas máquinas.


Aconteceu quando me colocaram numa zona de passagem do rali e que era ao mesmo tempo zona de reabastecimento das motas.

Eu gosto muito de carros, mas nutro pelos motards uma grande admiração, não só por não ser capaz de fazer o que eles fazem, mas também por pensar, em relação aos carros, que se me pusessem um bólide daqueles nas mãos, seria o Ruben dos carros e que, “aquilo havia de dar o máximo, ai isso havia, e se calhar também lhe partiria o motor”, mas nas motas precisava que o tempo voltasse para trás.

Motards

Mas sinto e sei que os motards são os verdadeiros heróis do Dakar e pronto, eis-me no meio deles, e parado é atitude que só obrigado perfaço.


Assim tive a honra de ajudar o Cyril Despres , limpei-lhe os óculos, dei-lhe água, retirei-lhe o road book e ajudei-o a montar o seguinte, guardando no meu bolso o anterior, para posteriormente ser por ele autografado.

Tive a nítida noção que tinha no meu bolso o road book daquele que viria a ser o vencedor do rali 2007 e, a partir daí, comecei a torcer por isso, sabendo eu que não há, por enquanto, nenhum português, com ajuda, para conseguir tal lugar.

Para mim há três Dakares: o dos pilotos de fábrica, o dos privados e o dos veículos de série, nos quais incluo é claro os jipes.

O Hélder Rodrigues ganhou nas motas, o rali dos privados.

Hélder e Ruben, pode ser que para o ano sejam pilotos de fábrica e, se assim for, um de vocês será o primeiro da geral.

Começaram a chegar mais motas e eu, não conseguindo ajudar todos, virei-me então, como era já meu propósito, para os portugueses e brasileiros.

E eis que chega o primeiro português, corri para ele e disse-lhe:

Hélder, está tudo bem?
Resposta:
Não sou o Hélder sou o Ruben.
Eu, com a pressa, nem sequer vi que a publicidade da mota era a do Algarve.
Era verdade, era o Ruben e o meu contentamento aumentou, pois tinham-me dito que ele tinha partido o motor e tinha desistido.
Perguntei-lhe:
Então, não tinhas partido o motor?
Ao que ele respondeu:
Parti, este já é outro e também já está quase partido.


Fiquei outra vez triste, pois embora conheça mal o Ruben conheço a sua maneira de ser, que admiro na sua grandiosa simplicidade, e sei que ele, tal como eu, gosta de ajudar os outros, tal como o fez, por sua vontade e claro de mota, na volta a Portugal em bicicleta, como me contou um ainda há pouco bivencedor da nossa volta, o grande Joaquim Gomes, (o adjectivo enobrecedor antes do nome tem a ver com ele como pessoa, pois não ligo ao ciclismo; no entanto, parece que da próxima tenho que lhe pedir um autógrafo para o meu filho que, não o conhecendo, o admira).

Claro que também guardei o road book do Ruben e, se valesse alguma coisa limpar-lhe as botas com a minha pele tê-lo ia feito, tal o impulso que tive em ajudar aquele que é neste momento o mais rápido motard português no TT.

Logo a seguir chegou o Hélder Rodrigues e, claro, limpei-lhe também os óculos, os faróis, fui-lhe buscar uma garrafa de água, tirei-lhe o road book mas tive que lho dar, pois, tal como eu, quando corria, guardava todos os road books, não sei é onde, o Hélder também o faz.

Senti e admirei a forma como estes dois motards portugueses se respeitam com amizade e entreajuda, contando um ao outro as vicissitudes que o deserto e os outros concorrentes lhes trazem, não parecendo haver qualquer rivalidade entre eles e dando a ideia que pertencem à mesma equipa.
Garanto-vos que o Ruben, ao fim de um certo tempo de ali estar, sentia-se preocupado por o Hélder ainda não ter chegado e quando lhe perguntei pelos outros portugueses disse-me o Bianchi deve estar a chegar e o Ala chega sempre.

Mas na verdadeiramente última etapa do Dakar, pois era a que contava em tempos para o resultado, Tambacunda-Dakar, lá estive também com o Hélder (já pareço o emplastro) ajudei-o mais uma vez e aproveitei para guardar a parte de papel do road book que eles colam, com fita americana, ao aparelho onde o lêem e guardei-o religiosamente agarrado ao meu passaporte, pela respectiva fita.


Na passagem de alguma das fronteiras alguém, com pouca sensibilidade, devia ter deitado fora aquele pequeno papel.


A minha única esperança é a de que tenha voado e que neste momento esteja misturado em pequenos pedaços com a areia do Sahara.


Já que não o posso ter, que seja o meu Sahara a guardá-lo.

Ajudei todos os motards portugueses e a todos quis pôr gotas nos olhos, o que nenhum aceitou. Será que não tenho cara de oftalmologista?

Alguns deles tiveram a ajuda mais especializada de alguns dos portugueses do nosso grupo, incluindo a do meu amigo Didier que, como o nome não indica, é um algarvio de gema e que se considera grande mas não grande coisa, do que eu discordo totalmente pois é, de facto, grande em tamanho e em acções.

Recebi a simpatia do Bianchi Prata, que até já me conhece e me trata por Dôttôr e do Ala que, com as suas calmas, me obrigou a tirar as rações do bolso do blusão, pois já temia que não tivesse tempo para meter calorias antes de terminar o tempo concedido.

Quando se acabaram os portugueses andei à procura do brasileiro Azevedo, que não vi, e que partiu sem eu lhe poder dizer nada, (como se isso tivesse alguma importância), mas que foi ajudado por outros portugueses.


Então dei por mim a ajudar os nuestros hermanos, com alguns a mirarem-me com desconfiança, mas com agradecimentos no fim. (Afinal conto anedotas dos espanhóis mas é só garganta, tantas batalhas que lhes vencemos, para quê bater-lhes mais? Neste momento têm melhor economia do que nós e eles agradecem aos nossos “bons” políticos, pois assim podem comprar as nossas empresas, as nossas herdades, etc. mas não terão nunca a nossa simpatia, as nossas praias, a nossa comida e as nossas mulheres, que espero nunca casem com eles, já que “de Espanha nem bom vento nem bom casamento”; excluo desta lamúria os galegos, que são cá dos nossos).

Aproveitei, entretanto, para ver os primeiros carros, não deixando aquele local, só o fazendo com a passagem do Carlos Sousa, que recebeu uma ovação tão grande de todos os portugueses do nosso grupo quanto o seu valor como piloto.

No saharatt não queria misturar competição com estórias mas como elas se interligam aconteceu.

Mas lá vai uma estória que tem a ver com o destino, que é algo em que não acredito mas que, por coisas que me acontecem, começo a respeitar.

Estória



O DESTINO E O DEFENDER




No nosso acampamento era já escuro, já tinham desligado o gerador, era hora de eu ir dormir, pois os outros já dormiam há pelo menos uma hora e, como sempre, tínhamos de nos levantar cedo para ir ver a partida do Dakar.

Fui ao jipe buscar o meu saco cama, que encontrei, e a minha lanterna, que não encontrei, pois quase tudo no meu carro muda de sítio

Para dormir não é preciso luz e mais ou menos sabia onde era a minha tenda.

Fecho o carro com o saco cama ao colo, marco o azimute à tenda, dou três passos e "entrepico" numa coisa dura, com som metálico, que se mexeu, enxergo o vulto, baixo-me para o apanhar e apercebo-me tratar-se de uma lata de sumo.

Verifico que está cheia, por isso não a posso deitar para o lixo e passa-me pela ideia, aproveitando a “lei do menor esforço”, colocá-la em cima do capot do jipe mais próximo, pois era de onde provavelmente teria caído.

Mas a consciência por vezes impera, achei que o que estava a fazer estava errado, de manhã poderia parecer mal ao dono daquele jipe, e assim agarrei na lata, voltei atrás e, ligeiramente contrariado, abri o meu jipe e joguei a lata para a bagunça por detrás das baquet; devido à luz interior do jipe apurei tratar-se de uma lata de Red Bull e pensei:

Logo me calhou isto?

É que uns dias antes, com o cansaço e falta de café resolvi beber, e de seguida, duas latas daquela coisa, ao que uma alma caridosa me acudiu, dizendo que era demais e como já tinha marchado lata e meia, por ali fiquei, ou melhor, fiquei foi de facto com uma pedrada, sem cansaço, a tremer como se tivesse frio e à noite queria dormir e nada...

Jurei nunca mais tocar em tal produto, mas “nunca digas deste produto não beberei”...

No dia seguinte lá fomos ver a partida do Dakar, numa das etapas da Mauritânia Atar-Tichit, com o novo grupo chegado de avião, na véspera, a Atar .

A opinião que este grupo já deveria ter da minha pessoa não deveria ser grande coisa pois, no aeroporto, à sua chegada, tentei que os aborrecidos, antipáticos, maçadores, impertinentes e enfadonhos vendedores do parque do aeroporto não se aproximassem deles.

Além de insuportáveis, importunos e incómodos naquele sitio, os vendedores são também muito cuidadosos com as coisas alheias que, se puderem, põem à sua guarda, esquecendo-se depois de as devolver.

Não costumo ser assim para os vendedores africanos até porque sou um consumista inveterado crónico, mas garanto-vos que, se alguma vez comprar alguma coisa àqueles “profissionais” ou aos idênticos que se encontram em frente ao Hotel La Poste, corto uma coisa da minha constituição anatómica, que provavelmente será… o cabelo. Estavam a pensar em quê?

Os vendedores Mauritanos(muitos sâo senegaleses) não me obedeciam e eu estava ainda um bocadinho emocionado por ter deixado há pouco o outro grupo, que admirava, pois na sua permanência connosco tinham-se mostrado perfeitos pilotos do Dakar, no esforço que conseguiram suportar e também pelas qualidades humanas demonstradas e, quando é assim, a separação custa.

Ligeiramente desequilibrado, eis-me a gritar desvairado, a afastar os vendedores, que a bem não me tinham obedecido e que a mal também não o fizeram.

Longe estava eu de prever que, naquela partida do Dakar e logo no dia seguinte, o meu grupo me iria novamente ver, a mim, um dos médicos, a gritar e a pedir ajuda e a querer o mais urgentemente possível uma ou mais latas de Red Bull.

E... qual o motivo desta anormal gritaria....


É que todos os nossos carros tinham sido colocados a cerca de dois quilómetros após a partida da etapa, numa recta que só tinha como interesse, mal ver os carros a passar, ou então verificar a velocidade que conseguiam alcançar, e isto para mim não é TT.

Gosto de curvas, obstáculos, areia, dificuldades, atolanços (dos outros) e, como tinha tempo, resolvi ir a pé para a partida e depois, mais um quilómetro para trás, onde podia ver as máquinas e cavaquear com os pilotos.

Aí conheci uma das pessoas do nosso grupo, com a qual ainda não tinha tido a oportunidade de falar, que nem sabia quem era e que, tal como eu, estava também conversando com os pilotos; descobri então que o fazia não só pela mesma paixão que eu, mas por interesses profissionais, por ser jornalista de automobilismo e da nossa bíblia o Autosport.

E lá ficámos nós dois, conversando com os pilotos estrangeiros e nacionais, perguntando-lhes como está a máquina, os azares que têm tido, as esperanças que trazem e até onde esperam chegar e penso que isto serve para os distrair, pois muitas vezes estão fartos de falar sempre com as mesmas pessoas e alguns nem conseguem falar português, como é o caso do Carlos Sousa, com quem me costumo encontrar nestas andanças africanas.

Assim, e de mudança de carro para carro, deparámos com o Defender do Luís Ferreira que eu, no Lisboadakar2007blogspot.com, tanto tinha elogiado, como sendo um dos dois carros portugueses e dos poucos de todo o mundo, praticamente de série que participavam no rali, o que é grato para um amante do TT, e o que permite existir assim no Dakar, como já vos disse, uma outra, e não menos interessante corrida, dentro do rali: a dos carros de série.

Cumprimentámos o Luís Ferreira, que começa por nos dizer que estava numa etapa maratona, já bastante cansado pelas etapas anteriores, aproveitando logo para nos pedir, com ar desesperado, se tínhamos um Red Bull., pois tinha-se esquecido de o trazer e precisava de o beber quando o cansaço apertasse ainda mais.

Disse-lhe que não tinha, mas depois pensei:
No carro tenho, mas estou a três quilómetros do carro e é quase impossível lá chegar a tempo.

Mas, como sempre, lá me veio a tal ideia, que poderá ser para vós um novo ditado
“o que parece impossível, por vezes não o é”
ou
“o que parece impossível a tenacidade por vezes executa.”


e desatei num cross em direcção ao meu jipe, lembrando-me da lata da véspera.

Mas em corrida nunca chegaria a tempo, fiz um quilómetro até à partida da etapa e estava estoirado.
Olho para um Toyota com uma senhora no seu interior e peço-lhe, com um ar desesperado, transporte para o meu carro, que está dois quilómetros mais além e que o solicito, por se tratar de uma urgência, ao que a senhora respondeu não o poder fazer por o carro não ser dela.

Mas não desisti, procurar o dono do Toyota levava tempo, olhei em redor e vi lá longe um jipe militar em movimento, fazendo segurança ao local, comecei a acenar-lhe com ar de aflito e consegui trazê-lo até mim e com o argumento de que era médico e de que um dos pilotos necessitava de um medicamento, consegui introduzir-me dentro do jipe do exército Mauritano, que me levou até ao
meu grupo, que mais uma vez me viu desvairado, a correr e a gritar por uma lata de Red Bull, que pedia para que alguém doutro carro me desse, pois não sabia para que sítio do meu carro e à noite eu a tinha atirado.

Tenho como experiência que encontrar qualquer coisa no meu jipe é sempre uma tarefa árdua e de que por norma desisto, não sei se ainda se lembram de vos ter dito, as coisas mudam de sítio, e mesmo quando ficam ao lado do lugar onde as pus, eu tenho a característica de não as encontrar.

Já coloquei gavetas no jipe, caixas e caixinhas, mas o problema persiste.

Para quê ter sempre tanta coisa se, depois quando as quero, não as encontro.

Mas... e o que faço a tanto objecto, para equipar o jipinho, que compro com tanto esmero e gosto?

E ao gozo que dá descobrir e comprar mais um acessório que, no jipe, servirá para… no meu caso, o mais certo, não encontrar?

Não havia tempo para explicações, as pessoas ainda não me conheciam, a situação era ilógica e de certeza na cabecinha daquela gente havia um clamor a Deus, para que nesta viagem não adoecessem, pois um dos médicos era louco.

Tudo aquilo era absurdo, não consegui ajuda e, agora, até penso que caso alguém me ajudasse, acabaria por ficar mal visto por todos os outros.

Corri para o meu carro e em gestos apressados e tresloucados fui atirando para o chão todo o conteúdo do jipe, para encontrar o Red Bull..


Qual a razão porque tanto gosto de andar sozinho?

Mas agora tinha junto a mim o Chefe da expedição que, como habitualmente acontece, não me compreendia, e que me dizia para parar, pois estava a assustar toda a gente, olhei para ele, balbuciei qualquer coisa, e pensei, mas não lhe disse, “porra, largue-me, deixe-me ajudar o homem”, virei-me novamente para o interior do carro e eis-me com os olhos na lata que na noite anterior tinha encontrado.

Ignorei o chefe, por pensar que a razão estava toda do meu lado, e preparei-me para correr para a pista, sem sequer saber se o Luís Ferreira já teria, ou não, passado e logo


outro problema surgiu (agora talvez comecem a compreender o meu gosto por, por vezes, andar só e longe de todos).


Agora era uma pessoa importante do automobilismo português e internacional e, portanto, com responsabilidades neste sector e que também estava connosco, a avisar-me que era ilegal entregar a lata, pois isso seria considerada assistência, e que numa prova maratona, como era o caso, não podia ser dada pois poderia levar à desclassificação do piloto.

Parei, hesitei e pensei.


A pessoa em causa merecia toda a minha consideração.


Todo aquele meu esforço de ajuda tinha sido em vão.


Mas pôrra, tanta merda só por tentar ajudar quem precisa.
Já se tinham esquecido de que costumo recomendar a toma (o consumo) com moderação de Red Bull às pessoas habituadas à cafeína e que, em África, não conseguem beber café.

Continuei parado e bruto com tudo e todos, e resolvi olhar para as pessoas do grupo, agora já com um ar de envergonhado mas que, de imediato, passou a contentamento e alegre, pois ninguém estava a olhar para mim.
Toda a atenção do grupo era para admirar a passagem de mais um carro.

Logrei a oportunidade e aqui vou eu,

corri paralelo à pista, afastei-me e um minuto depois, lá está a passar o Defender que, graças a Deus, pára como combinado.
Caso o não fizesse que justificação teria o meu tresloucado acto?

Com a travagem uma onda de pó envolve-nos e ninguém conseguiu espiar a entrega do precioso líquido. (Alá estava comigo).


E, agora, provem lá que eu dei a lata ao homem?...


Tentem lá pôr o homem fora de prova?...


Caso queiram prejudicar o homem, provem lá que houve assistência,
fiquem sabendo que eu nego!...

Com a lata ele chegou ao fim e... sem a lata? Claro que chegaria, mas que eu ajudei, ajudei.(ajuda não confirmada oficialmente)

Tornei a encontrar o dono do Defender no Porto de Dakar, no dia da entrega dos carros para embarque e aproveitei para cumprimentar o seu navegador Luís Serenho e meu colega de profissão.

O piloto, na mangação, pagou-me a lata com a oferta de outra lata de Red Bull.

Mas o Luís Ferreira apercebeu-se logo de que este acto não foi em vão, pois foi tal a sofreguidão e rapidez com que, a meias com o meu mecânico, a bebi, o que deu para mostrar a enorme sede que sentíamos, pois estava muito calor e a espera, ao Sol, da burocracia do porto já fora grande e para beber, nada, pelo que…
”nunca digas, deste líquido não beberei”.

Fiquei depois a cismar nessa coisa do destino e a magicar, desconfiado.

A minha ajuda fora ao piloto ou a nós próprios? pois o Red Bull deu asas à nossa sede e cansaço.

Mas teria de facto ajudado o piloto?

Nunca o saberia porque nunca iria perguntar tal coisa.

Mas eis um novo ditado:


“Nunca digas que nunca saberás”

e ontem na Net lá se encontrava escarrapachado

...E o Defender chegou a Dakar pelo segundo ano consecutivo!
] Luis Neves

Apesar de todas as vicissitudes que caracterizaram a sua prova, pelo segundo ano consecutivo Luís Ferreira conseguiu levar até Dakar o Land Rover Defender do Team 4x4 Rodas, terminando na 100ª posição a edição deste ano da dura maratona africana.



O trágico falecimento de Hugo Filipe, preparador e responsável pela assistência técnica durante a prova, poucos dias antes da partida e já depois das verificações técnicas, afectou seriamente o moral da equipa, que encarou esta participação como uma forma de homenagear o Amigo e o profissional prematuramente desaparecido. Sendo a única equipa participante sem camião de assistência, restou a Luís Ferreira o inestimável apoio do seu habitual navegador das provas de navegação, Carlos Loureiro, que, não sendo mecânico, assumiu o encargo de resolver como pôde os naturais problemas decorrentes da dureza da prova.




Rodando sensivelmente a meio da tabela dos concorrentes portugueses durante a primeira metade da competição, apesar de algumas naturais vicissitudes, a equipa 4x4 Rodas quase se viu forçada a desistir quando se partiu um tirante da suspensão traseira da viatura, ao km 200
da etapa maratona Atar-Tichit,
deixando o eixo praticamente solto. A dificuldade em completar essa etapa, com o eixo traseiro preso por cintas, e o facto de ter chegado ao final apenas uma hora antes de ter de partir para Nema,
obrigaram a Luís Ferreira a conduzir durante 44 horas seguidas, deixando piloto e navegador à beira da exaustão.


Os 900 km de pista com o eixo praticamente solto provocaram também sérios danos no Land Rover Defender, tanto ao nível da suspensão traseira como da transmissão: o jipe ficou sem 5ª velocidade e a caixa chegou a encravar em marcha-atrás, aumentando muito a dificuldade em superar as dunas.
Só a incrível tenacidade de Luís Ferreira

( Vá lá Luís Ferreira, não seja assim

e o Red Bull?)




( e eu... eu?)

conseguiu, assim, levar o carro de novo até ao Lago Rosa, repetindo o feito já alcançado no ano passado.
"Quero dedicar este resultado à memória do Hugo Filipe e à sua família" - declarou Luís Ferreira no final da prova. "Os últimos dias foram muito duros para nós e chegar a Dakar requereu um enorme esforço por parte de toda a equipa" - acrescentou, reconhecendo, contudo, que esta edição foi menos demolidora que a do ano anterior.
"Contávamos com mais areia, tal como no ano passado, piso em que tanto eu como o Defender nos sentimos bastante mais à vontade" - concluiu o piloto português, que conseguiu terminar o Lisboa-Dakar pelo segundo ano consecutivo.


As conclusões desta verídica estória, serão tiradas por vocês.
Numa coisa gostaria que estivéssemos de acordo:


Que são coincidências?
Sim.


Que todas estas coincidências se arrumam aparentemente para um determinado fim?
Sim,


Mas que tudo isto dá que pensar?
Dá.

E cá vai o meu pensamento
e conclusão ilógica.

Tal aconteceu para que o destino permitisse que esta estória fosse contada e dedicada a todos vós, meus queridos companheiros da Primeira Expedição Oficial do Euromilhôes Lisboa Dakar 2007.