2007/02/28

Património dos Portugueses

A pressa dos meus companheiros teve as suas vantagens.
Pernoitamos em Essaouira, eles com certeza com dias de atraso e eu com dois dias de avanço em relação à nossa chegada a Portugal.

Despedimo-nos pois eles, no dia seguinte, queriam chegar ao destino e eu já me sentia confortável e seguro no meu segundo país e exactamente na zona de Marrocos que, com alguma atenção, queria visitar.

Queria usufruir da ida a quatro bastiões portugueses no norte de África que distam, entre eles, poucos quilómetros.

Tudo o que é ou foi Português no estrangeiro me atrai.

Adoro o meu País, a nossa História e os nossos Homens , (infelizmente agora não conheço nenhum, estava só a pensar nos políticos).

Políticos

Os políticos actualmente esmeram-se e gastam todas as energias na verbalidade de mal dizer os outros dos outros partidos.

Continuo a escutá-los, não para os ouvir, mas porque os elegi como bons oradores de um tipo de humor que me seduz.

Tento sempre e permanentemente perceber o segundo sentido das suas frases, porque as dizem naquele momento, o motivo porque estão a criticar algo que até me pareceu bem, se acreditam no que estão dizendo, porque dizem coisas que dois anos depois contradizem, porque chegam a altos cargos públicos sem antes terem dado provas de terem construído qualquer benfeitoria, porque prometem o que nunca serão capazes de cumprir, e tornam a votar neles sem que os votantes se sintam enganados.

As minhas desculpas, mas isto é uma arte próxima da vigarice.
Respondem-me:
- É política.
Mas isto tem algum valor, a não ser na arte atrás descrita?

Alguns políticos sentem-se tristes pela cada vez maior falta de consideração que os portugueses sentem por eles. Será por muita gente pensar como eu?
Só terão um caminho:

Falarem com veracidade e desenvolverem a intuição de honorabilidade de que o que dizem é o que pensam não para agrado do partido mas sim para bem do país.
Vão perder um ouvinte que se irá virar para o humor dos pastéis de nata, mas de certeza que eles e o país irão ganhar muito com isso.

Portugal antigo.

Vivo no Portugal actual mas admiro o que fomos e sinto-me triste, confuso com o que somos.

Tão poucos éramos, o que conseguimos e onde chegámos ao aproveitar ao máximo as nossas potencialidades, descobrindo tecnologias que nos transformaram na maior potência mundial dos séculos XV e XVI.

Diz-se que as conquistas, descobrimentos e desenvolvimento económico se deveram ao meio geográfico, às nossas hospitaleiras costas com os seus portos naturais, aos nossos rios com esplendorosos estuários.

Mas tudo isto hoje se mantém e toda a frota marítima é quase inexistente, continuando a haver subsídios para abate de navios???

O português mais importante da História Universal

foi o Infante D. Henrique. Não posso no entanto esquecer os reis e os políticos do seu tempo que o impulsionaram e que desenvolveram uma postura correcta que conduziu aos descobrimentos e ao conhecimento geográfico do nosso planeta, impossíveis de realizar sem a tecnologia investigada e descoberta na Escola de Sagres.

Depois da conquista de Ceuta entregou-se D.Henrique de alma e coração aos estudos cosmográficos, geográficos e matemáticos aplicados à navegação estuda-os e exercita-os pessoalmente, rodeia-se dos maiores cientistas da época.

Doa à universidade uma casa que possuía em Lisboa obrigando-a ao ensino de ciências aplicadas à prática, bonito exemplo para as nossas instituições actuais que doam os edifícios para a criação de mais um curso para enganar pais e alunos, pois quando os acabam entram para o mercado de trabalho com as mesmas habilitações como quando entraram para a universidade.

Há quem pretenda ver na sua obra um intuito mercantil, tanto dele como do rei D. João II.
Sobre estas duas figuras versa um ideal superior de altruísmo e de aspirações nobres e puras de conversão dos árabes ao cristianismo, e que mostra o carácter mais belo e profundo das glórias nacionais da nossa História.

Apesar de grande fortuna pessoal, o Infante morre endividado e na penúria pois as expedições mostraram-se ruinosas com o gasto no desenvolvimento das terras descobertas e com o enorme custo das guerras de Marrocos.

Mas nada disto o demoveu, mercê do seu ideal nobre e puro, e graças à sua alma mística levou avante a sua missão.

É, pois, graças a ele que aqui estou no grande Portugal.

O grande Portugal.

Comecei a visita por

Mogdura
Actual Essaouira
Anteriormente chamada Amogdul Berbère (a bem guardada), Mogdura en português, Mogadur em espanhol et Mogador em francês, Essaouira (الصويرة‎) (a bem desenhada).

Esta cidade piscatória situa-se 350 Km a sul Casablanca, a 175 Km a oeste de Marrakech e a 170 Km a norte de Agadir.

É uma das cidades mais atraentes de Marrocos graças ao seu património cultural e arquitectónico com a sua Medina ao estilo Marroco-Português que mantém, até hoje, a sua beleza e a sua estrutura medieval.

Com as suas Riads restauradas, implantadas em ruelas de casas caiadas de branco, de portadas azuis, exóticos cafés, lojas de artesanato, passagens estreitas e sombrias, com recantos romântico-misteriosos que caracterizam esta cidade... mas que fazem lembrar um Óbidos Oriental.

É uma das obras-primas da arquitectura do século XVI.

E, por isso, a Medina, o “kasbah” e o “mellah” (bairro judeu), fazendo parte da antiga cidade cercada por muralhas foram consideradas em 2001, pela UNESCO, Património da Humanidade.

Tem um encanto e autenticidade de uma terra perdida no tempo, com um povo que cultiva a hospitalidade, fruto, talvez, de uma mistura secular de culturas e religiões.

Serão todas estas as razões da atracção que sentem inúmeros artistas de todos os ramos da cultura, nacionais e estrangeiros, que por aqui passam ou que por aqui ficam?

É, porventura, na História de Marrocos, a cidade onde maior número de culturas aqui permaneceu, pois cá estiveram os Fenícios, os Romanos, os Cartagineses. Os Berberes, os PORTUGUESES, os espanhóis, os holandeses, os ingleses, os Judeus e os Franceses.

No pouco tempo que dominámos esta cidade mandou o nosso rei D. Manuel edificar uma fortificação chamada Castelo Real de Mogdura, que governámos de 1506 a 1525.
Este castelo possui o ex-libris da cidade, a Scala, uma plataforma fortificada com cerca de 200 metros de comprimento.


Rotas e Destinos publicou sobre Essaouira

Ninguém sabe, ao certo, de onde vem o fascínio que Essaouira exerce sobre os viajantes, mas há quem diga que se trata de um encantamento provocado pelo vento que sopra forte por entre as ruas e as vielas da medina desta pequena cidade piscatória. Pela sua autenticidade anacrónica, tornou-se um local mítico para uma pequena elite de intelectuais, uma espécie de refúgio-fetiche de pintores, escritores, músicos, actores e realizadores cinematográficos do mundo inteiro.

Ruas estreitas e angulosas procuram proteger os moradores dos fortes e constantes ventos alísios vindos do Atlântico, que se entranham no recato dos lares muçulmanos.

Calcula-se que Mogador, o seu primeiro nome, tenha raízes no Fenício antigo, uma palavra que significa torre de vigia e se presume que seja o monte desordenado de pedras batido pelo mar situado no extremo mais distante da praia. Porém, a fama da cidade é ainda mais remota. Tanto os cartagineses como os fenícios faziam aqui as suas trocas comerciais, trocando seda e especiarias por ostras, penas e ouro africano. Por sua vez, nos tempos do império romano, a região – que inclui a península onde hoje se ergue a cidade e a ilha de Mogador, na baía – ficou conhecida como as Ilhas Púrpuras, pois era este o local de onde provinha o corante púrpura mais requintado, extraído dos moluscos, que era usado para tingir as roupas dos imperadores.

Em 1764, o sultão Mohammed Ben Abdallah decidiu instalar na antiga Mogador a sua base naval, transformando-a no único porto autorizado para contacto entre o reino e o Ocidente.

Pouco depois passa a viver aqui uma elite de mercadores judeus com um estatuto especial de intermediários entre o sultão e as potências estrangeiras, obrigadas a instalar um consulado no local.

Quanto à nova cidade, o seu desenho – o plano original está conservado na Biblioteca Nacional de Paris – foi encomendado a Théodore Cornut, um arquitecto francês a soldo dos ingleses de Gibraltar, entretanto expulso sob acusação de espionagem. Uma outra versão da história conta que Cornut já estava aprisionado em Marrocos, e que trocou a sua liberdade pela realização gratuita do projecto arquitectónico. Mas, lendas à parte, ficou na memória o sucesso do seu traço, que deu origem ao nome actual de Es Saouira, que significa “a bem desenhada”.

Depois disto, a importância da cidade como posto de trocas e de contrabando de piratas não parou de crescer até ao início do século XX, quando finalmente foi caindo no esquecimento de todos.

Aqui convivem duas tribos locais – os chiadma (árabes) e os haha (berberes) –, a etnia dos gnaouas, descendentes dos escravos negros que acompanhavam as caravanas de ouro e sal vindas do Sudão, e cerca de um milhar de ocidentais que vieram em visita e decidiram ir ficando… sem previsão de partida.

De facto, as mágicas dunas do Cap Sim, nos arredores da cidade, e a sua magnífica praia deserta merecem um passeio mais atento (num veículo todo-o-terreno).

Texto retirado da revista Rotas e destinos

Safim
Actual Safi

Safi é acapital da cerâmica marroquina, antiga Asfi do tempo dos romanos que também por aqui passaram, é uma cidade de 300.000 habitantes, capital de uma região com 2 000 000.

Trata-se, infelizmente, de uma cidade industrial muito poluiodora pelas suas fábricas de cimento, químicos e fosfatos.
A beleza das suas praias e da cidade não mereciam este progresso.

A indústria de conserva de sardinha foi a primeira indústria de Safi, seguida da dos minerais de Jbilet, dos fosfatos de Youssoufia e do complexo químico a sul da cidade.

Os portugueses conquistaram-na e dominaram-na de 1488 até 1541, quando a abandonaram, voluntariamente, após a perda de Agadir.

Mais uma vez o pouco tempo de invasão permitiu deixar de legado o Castelo do Mar e a Catedral Portuguesa.
Construímos a cidadela portuguesa e renovámos a área do kasbah.

Mazagão
Actual El jadida

Situação Geográfica
Situada na costa atlântica de Marrocos, na latitude do mesmo paralelo de Los Angeles, na Califórnia, e em longitude no mesmo meridiano que o extremo Oeste da Irlanda.

El Jadida é uma cidade portuária e industrial com cerca de 180.000 habitantes situada a 90 quilómetros a sudoeste de Casablanca, 180 quilómetros a oeste de Marrakech a 240 quilómetros a Norte de Essaoira e a 17 quilómetros do Cabo Branco.
É uma cidade industrial um pouco poluída pelo seu grande parque industrial, servido pelo maior porto comercial de Marrocos, o Porto de Jorf Lastar, que dá vazão aos fosfatos da fábrica JLEC.

Todas estas cidades marroquinas da costa Atlântica, pela sua situação estratégica de bons portos naturais, foram habitadas por diferentes povos que, consoante a sua linguagem, assim lhes mudavam os nomes.

Os Fenícios estiveram aqui, em 650 A.C.,o almirante cartaginês Hannon foi o primeiro a escrever sobre esta cidade, Ptolomeu chama-lhe Rusibis, os portugueses conquistam-na em 1506 e dão-lhe o nome de Mazagão.

Em 1542 o rei D. Manuel manda ali erguer uma moderna fortaleza renascentista inexpugnável, constituída por vinte e um baluartes colocados numa cintura de espessas muralhas de 5 metros de largura, 7 metros de altura e 3 quilómetros de comprimento. Efeito da mudança da guerra neuro-balística (armas de arremeço) para a guerra pirobalistica (de armas de fogo).
Esta estratégia mostrou-se eficaz, resistindo esta fortaleza durante dois séculos a guerras e cercos.
Devido a estes cercos, tiveram os portugueses de transformar uma sala de armas de arquitectura Manuelina, em cisterna.

A Cisterna Portuguesa é uma ampla construção subterrânea de 33 por 34 metros coberta de abóbadas manuelinas suportados por 25 colunas do mesmo estilo arquitectónico, esquecida durante anos e descoberta por casualidade em 1919.
A água que cobre o chão pela mistura da semi obscuridade com a entrada de luz pela abertura circular to tecto, cria finos e excitantes reflexos de luz e sombra ao reflectir-se nela o tecto, as colunas e a abertura circular de luz, dando a este lugar um carisma romântico-misterioso, surpreendente e indescritivel.

Dotámos assim o mundo da mais bela cisterna alguma vez vista, aproveitada por Orson Welles para lá rodar cenas do filme Othelo.

O marquês de Pombal, como bom estratega que era, achou, penso eu que erradamente, que os portugueses que ali estavam faziam mais falta no Brasil do que aqui, isto na ideia de garantir a soberania da nossa principal colónia nesse tempo já abalada, e manda abandonar Mazagão enviando a totalidade dos seus habitantes para Amazónia, no Brasil, onde fundaram uma nova cidade chamada Nova Mazagão, na região de Amapá, hoje chamada Mazagão.

Existe também em Bombaim uma outra cidade chamada Mazagão, também de origem portuguesa.

Bom estratega?

O Brasil tornou-se independente pouco tempo depois e se os portugueses ali têm ficado, a exemplo de Mellila e Ceuta, eu, quando viesse para Norte, no final das minhas incursões, teria um lugar onde poderia comer um grão com bacalhau, desenjoando assim das múltiplas tagines que tenho de degustar.

O marquês, antes de abandonar a cidade, manda minar a fortaleza, que explode quando os mouros a invadem, sacrificando o herói português que lá ficou para o fazer (de que não sabemos o nome) e matando muitos dos assaltantes.

A partir daí a cidade em ruínas passa a chamar-se Mahdouma “A destruída”.

Em 1832 é restaurada a fortaleza e passa a chamar-se El Jadida “A nova”.

Foi então habitada, como nas outras cidades da região, por numerosos judeus cujos bairros, os Mellah, podem ser apreciados na velha Medina.
Estes abandonam a região aquando da formação do estado de Israel, não sem antes e sobre o protectorado francês, a cidade ter mudado o nome para Mazagan, voltando a chamar-se El Jadida em 1956, aquando da independência de Marrocos.


A cidade fortificada portuguesa de Mazagão foi registada em 2004 pela Unesco como património da humanidade, tendo sido considerada a adesão na base de modelo de intercâmbio e influência entre a Europa e a cultura Marroquina, e num claro exemplo da realização e integração de ideais renascentistas na tecnologia de construção portuguesa.

A cidadela portuguesa no interior do castelo, para se ter uma ideia das suas sinuosas ruelas, becos e arcos, basta subir e dar uma volta pelo caminho de ronda das muralhas aproveitando a óptima vista sobre a Medina e o mar.

Na cidadela em todo o lado há património português, a cisterna, a igreja portuguesa, os portais das casas com arcos de cantaria, os nomes lusitanos das ruas e até a igreja espanhola escolheu para nome Igreja de S. António de Pádua mas que, afinal, é de Lisboa.

O nosso principal legado patrimonial foi o Castelo do Mar, a cisterna portuguesa, e a igreja de Nossa Sr.ª da Assunção, a cidadela portuguesa,etc.

Pois, pois, depois de tanta escrita falta é uma estória que, como sabem, está sempre relacionada com algo de estranho que só a mim acontece e que foi, neste caso, a tentativa de visita a este templo.

Estória

Tal como em Safi, tentei visitar a sé portuguesa, não o conseguindo por o guarda não comparecer e a porta permanecer teimosamente fechada, aqui deparei com idêntica situação e enquanto visitava a cidadela portuguesa passava, de vez em quando, pela igreja para ver se assomava o guardião.

Nessas incursões deparo com um muçulmano a sair de uma porta lateral da igreja com algumas grandes chaves à cintura e dirijo-me para ele com contentamento.

Lá ia conseguir entrar na Igreja de Nossa Senhora da Assunção.
A igreja em mau estado de conservação é um património arquitectónico Manuelino.

Não estranhei o guarda estar conservadoramente vestido de muçulmano, só falar árabe dizendo poucas palavras em Francês, tal como não estranhei a pergunta se eu era paquistanês, que importava isso, eu estava contente com aquela oportunidade e o guarda percebia o meu interesse e acompanhei-o até à porta onde ele meteu a chave.

A porta abriu-se, eu tentei entrar mas o guarda agarrou-me e mandou-me descalçar.

Ao seguir o guarda nem sequer me apercebi que o edifício para onde fomos não era a igreja...

Era uma mesquita sem ninguém no seu interior, parei, pensei, hesitei e cá estava a oportunidade já pensada algumas vezes, finalmente entrar numa mesquita. O guarda tinha de pensar que eu era islamita.

Descalcei-me e entrei sob a visão do guardião da mesquita, orei com todo o respeito e na posição que os maometanos usam para o fazer, que eu sei que é de cócaras e de rabo levantado e mais não sei.

Tentei usar aquele instante com todo o respeito, aproveitando para retribuir a Alá o meu agradecimento por não ter tido problemas, e tudo ter corrido quase bem no acompanhamento do Euromilhões Lisboa Dakar e para agradecer, já agora, por mais isto e por mais aquilo e por mais aqueloutro.

Mas pensam que consegui?
Não.

Na minha cabeça misturava-se a estupefacção de ali estar, com a surpresa do que me tinha acontecido, com o receio de ali permanecer até por o guarda se poder aperceber de que eu nem orar sabia, eu, um infiel, que pela lei islâmica não mo é permitido, podendo até sofrer sanções físicas pelo acto.

Mas ali estava, garanto-vos, com o máximo respeito do mundo pelo lugar onde me encontrava.

Não tenho religião, acho que as religiões foram inventadas pelo homem com vários e inúmeros propósitos, mas sou uma pessoa que estudou ciências e, ao estudar o corpo humano e o seu funcionamento, a vida, a terra, o universo, a física, a química, tudo, a perfeição que encontrei é tal que, para mim, uma pessoa em que todo pensamento assenta na lógica, tem que acreditar que houve um acto de criação de tudo isto e, para haver criação, tem que haver Criador.

Já tinha estes pensamentos nas aulas de Religião e Moral e expunha-os ao professor dessa disciplina, o Sr. Padre Afonso que, com o seu facciosismo, chegou comigo ao dele pecado da ira, ao dar-me uma brutal bofetada, quando eu, com doze ou no máximo catorze anos, lhe disse que, quando desejava uma mulher pela sua beleza e pelo que eu sentia, isso seria uma forma de adorar a Deus, e que Lho agradecia pela felicidade que me dava em ter tais pensamentos e nos actos que isso envolvia.

Pois se no mundo ocidental já sofri pelos meus pensamentos religiosos ali, em que o facciosismo é maior, poderia sofrer muito mais.

Com todos estes pensamentos quem consegue concentrar-se e orar?
Fiz um esforço, tentei a meditação, e só consegui isto:

-Meu Alá, Tu sabes o que se passa na minha mente, lês os meus pensamentos, sabes o que te queria comunicar, por isso dizer-Te o quê, e para quê?
Tu já conheces a minha adoração a toda a natureza que tão bem criastes e que, de tão perfeita, me faz pensar que Tu és ela ou que ela és Tu. (É uma teoria que talvez um dia vos conte porque é muito mais complicada do que isto).
Obrigado e continua com a Tua perfeição para nosso gozo divino.

Depois disto, a minha sorte é que nenhum islamita encontre este blog e, se o encontrar, que não chegue a estas linhas, o que será fácil pois que, com tanta verborreia, se enfastiará e só contemplará as fotografias.

Caso haja denúncia, o melhor será encontrar-me com o Sr. dos Versos Satânicos para saber o caminho a trilhar.

Azamor
Actual Azemour

A cidade de Azemour, que significa em berbere ramo de oliveira, é uma povoação afastada dos circuitos turísticos.

É ladeada pelo Rio Rabie e dividida em duas partes distintas, a moderna e a antiga.

Foi edificada sobre a antiga cidade fenícia de Azama e fica




16 quilómetros a Norte de El Jadida e a 72 quilómetros a sul de Casablanca.

A cidadela portuguesa, que é a parte antiga, está envolta num castelo edificado pelos portugueses, após a sua conquista pelo Duque de Bragança numa curta batalha em 1513.

Os árabes, ao verem o Duque comandar uma esquadra de 500 navios, nada puderam fazer.( Li isto em escritos marroquinos. Será possivel terem sido tantos os navios?)

Mas já em 1481 esta região estava submissa ao rei D. João III, com o estabelecimento de um tributo anual de 10.000 aloses.

Em 1541 os portugueses evacuam esta praça.

Vinte e oito anos de ocupação foram suficientes para ali deixarmos a nossa influência, principalmente na arquitectura.

A cidadela portuguesa com o seu castelo de seis bastiões, a necessitar hoje de cuidados, possui no cimo das suas muralhas um caminho de ronda que permite ver toda a Medina.

Parte da Medina está em ruínas e a que foi restaurada não respeitou uma característica arquitectónica que se pensa única no mundo e que, caso os dirigentes de Azemour não venham a respeitar, se perderá, perdendo-se com ela a importância desta cidade.

Em Azemour na cidadela portuguesa existe uma arquitectura única de influência portuguesa que são as suas casas, ou melhor, as

portas das suas casas.

Estas são a única parte da habitação com aspecto criativo pela sua decoração e ornamentação oriundas das primitivas portas portuguesas.

Foram moldadas pelos antigos mestres de harmonia com a ruela onde está inserida o valor da casa e a importância do seu proprietário.

Infelizmente as casas vão sendo demolidas e substituídas por outras com portas banais.
Caso isto não acabe, qualquer dia só as fotografias e alguns quadros como o de Stacy Elko nos permitem admirar esta singularidade.






A porta é a única abertura exterior da casa.




As casas são quadriláteros de paredes rústicas sem qualquer ornamentação,excepto nas caracteristicas portas, sem janelas pois todas têm um páteo interior e só esta originalidade dá valor a esta Medina e a Azemour.








2007/02/25

As minhas aventuras começaram nesta viagem após a passagem da fronteira entre o Senegal e a Mauritânia
(falta ilustrar com fotos)
onde nós três, em dois jipes, partimos deixando o grupo, tendo naquele dia pela frente cerca de duzentos e cinquenta quilómetros de pista em zona de savana para alcançar a capital da Mauritânia, Nouakchot.

No caminho fica uma pequena cidade chamada Rosso.
Já por duas vezes, há oito anos e numa pista junto ao mar, passei perto daquela cidade e agora há quinze dias atrás, em trajecto pela própria praia, o mesmo aconteceu.

Finalmente no caminho certo,
lá ia conhecer Rosso.

O meu principal interesse era saber como seria uma cidade do sul da Mauritânia.

A Mauritânia é, sem dúvida, totalmente diferente dos restantes países que conheço, mesmo dos de África.
O seu povo mostra uma dignidade nos gestos e trajes que não se encontra nos países limítrofes.
São afáveis e simpáticos, na quantidade absolutamente certa e metem conversa connosco de forma despropositada, fazendo-o aparentemente por obrigação educacional, com um comedimento e discrição distinta, o que me leva a admirá-los, mas a não os compreender totalmente.
Parece ser uma forma de educação correcta mas, como são reservados, não se deixam conhecer.
Parecem europeus no trato, mas têm usos e costumes aliados a fortes conceitos islâmicos completamente diferentes dos nossos.
Gostam, aparentemente, dos portugueses, sabem que fomos o primeiro povo estrangeiro a visitá-los e a com eles fazer trocas comerciais, e todos sabem que existe uma família em Atar descendente de portugueses, os Santos, que ainda não tive tempo de visitar, mas que tenciono fazer numa próxima viagem àquele destino.

Será que em Rosso o povo se comporta do mesmo modo?

Preciso de conhecer uma cidade Mauritana com identidade própria.

Nouakchot, como todas as capitais, não a tem. Noadibou, pescas e negócios, ainda menos; Atar, turismo que, como todos os lugares turísticos, sofreu descaracterização.

Como seria Rosso?

Rosso

Ao chegar verifiquei que a estrada não passava pelo seu interior e, por rádio, lá segue a pergunta-pedido para os meus dois companheiros.

Então, vamos entrar não é?
Resposta (não vos disse que no outro carro a pressa era grande):
Vamos é para Nouakchot, para tomar banho e jantar.

Tomar banho e jantar faz-se todos os dias, ir a Rosso não.
Quinze minutitos davam para suavizar os olhos da pista, sair da monotonia savânica só cortada por alguns javalis e olhar para o que de agradável Rosso teria para nos mostrar.

E lá me encontrei com os meus pensamentos, que fluem sempre nos momentos de contrariedade.

Sou democrata, e 2/3 da vontade das pessoas sem dúvida que vencem mas, por vezes, mais vale um ditador com ideias certas do que muita gente com ideias erradas.
O que acabei de escrever é politicamente incorrecto e perigoso , e ainda não sei se fica se apago mas, quando a maioria nos contraria, pensar assim tem lógica, mas incutiram-me que é errado, porque a democracia é sempre melhor, tem é que se educar as pessoas para pensarem igual a nós,
pronto já percebi,
esqueci-me anteriormente de fazer campanha eleitoral.

No dia seguinte continuava a imperar a pressa e, apesar de querer comprar comida em Nouakchot antes de nos pormos à estrada, a resposta foi a mesma, lá para a frente logo se compra, ao que respondi, sem ter a certeza:
- olhem que pode não haver...

Embora conheça a Mauritânia, o trajecto que sempre fiz, sul norte, era o existente, uma pista intragável para camiões, que só conheci em pequenas partes ou a areia da praia utilizada por todos os carros ligeiros, que nós sempre preferimos, quanto mais não fosse pelas belezas naturais que incluem por exemplo o Banco de Arguin.

A estrada asfaltada que íamos fazer é nova, tem apenas dois anos, e faz toda a travessia de norte para sul do Sahara, na zona mais despovoada do nosso planeta, paralela e perto da costa. (isto é para ver se estão atentos e me dizem que são os.........)

Mesmo assim sempre pensei possível, como várias vezes tentámos, a compra de comida, pão ou algo parecido e qualquer coisa que o acompanhasse, mas nos sítios críveis onde fomos, e foram alguns, o que nos ofereciam era chá e uma tenda para comer comida, mas a transportada pelo próprio viajante.

Para mim comprar comida não era muito importante, pois em “Roma sê romano”, ou melhor,
”no deserto sê nómada”,
e assim faço-me sempre acompanhar de tâmaras colocadas estrategicamente junto à alavanca das mudanças do jipinho.

Tenho também, e sempre, bolachinhas de aveia, que desta vez arrumei tão bem no jipe em minha casa que só as tornei a encontrar novamente, quando o descarreguei também em minha casa, o que é uma vantagem, pois para a próxima viagem já não preciso de as comprar.

O tempo estava enevoado e a temperatura baixa para a zona, o que o meu carro muito agradecia, pois o ponteiro da temperatura teimosamente aproximava-se cada vez mais do vermelho até que, farto da situação e para ter a certeza de que o meu mecânico tinha razão, pus o jipito uns tempos nos 140 e o ponteiro da temperatura automaticamente no vermelho, parei para verificar a água do radiador que, como esperava e o mecânico me tinha dito, não era condizente com a temperatura indicada, o que confirmava a certeza de que era no sensor da temperatura da água que estava o dano.

Problema resolvido mas problema agravado, agora conduzia sempre com o ponteiro da temperatura no máximo, com a possibilidade de saber, caso o jipe aquecesse, que o motor indicaria que tinha aquecido quando entregasse a alma ao criador, situação sempre aborrecida em qualquer lugar, mas mais constrangedora na área onde me encontrava.

O Sahara ameaçava chuva e caíram de facto algumas gotas de água, a estrada tem um movimento nulo, as tâmaras vão semeando caroços na areia da berma, as garrafitas de água vazias vão sendo atiradas para traz da baquet, com uma regularidade de duas horas ureia e outros ingredientes regam os caroços das tâmaras na berma da estrada e os quilómetros vão-se carcomendo com uma média idêntica ao do ponteiro do velocímetro.

Àquilo a que nós chegámos,
fazer metade do Sahara de Sul para Norte em pouco mais do que cinco horas.
Há dois anos eram precisos dois dias.

Que saudades dos tempos antigos...

Progredia-se na areia molhada da praia, de janelas abertas com a espuma húmida do mar a bater-nos na cara e a convidar-nos ao banho de mar que, mesmo no Inverno, é mais quente que o do Algarve.
Tinha que se parar na praia porque a maré não permitia o avanço, ai o descanso.
Tomava-se um banhoco enquanto o peixe a pular de vivo, assado na praia, era preparado para a refeição que antecedia a sesta à sombra do jipe.
Tagarelava-se com os locais que conseguiam consultas de borla acompanhadas dos próprios medicamentos e sem exigência de taxa moderadora.

Mas o progresso asfaltado também traz vantagens, permitia-nos ir comer, cerca da hora da merenda, a Barbas, a primeira bomba de gasolina do Sahara Ocidental, isto contando já com uma travessia rápida da fronteira com passagem dos cinco “gabinetes” entre os dois países, em duas horas.

Mas o aparente progresso enganou-me.

Eu estava em África e a chegada à fronteira fez-me acordar para a realidade.

A fronteira estava fechada para almoço,
nem perguntámos por quanto tempo pois ali o tempo não conta, a burocracia é grande e depois de comer os homens precisam de descansar ou talvez de irem ao supermercado, ao clube de video, ao banco, ao centro comercial (esqueçam, isso é o que nós fazemos, eles ali têm quilómetros de deserto em redor e talvez alguns sofram da prostata e demorem a faxer xi xi ou talvez tenham prisão de ventre e o có có duro,demorado)
Naquele dia havíamos de passar e consoante a hora ou dormíamos no “hotel” das bombas de Barbas ou, caso corresse tudo bem, de madrugada chegaríamos a Layoune.

Os nossos amigos Libanezes.

À nossa frente um carro de matrícula senegalesa tinha sido o primeiro a ser barrado na travessia.

Ávido de conversa pois viajava sózinho. começo na tagarelice com os seus ocupantes, três libaneses e um marroquino extremamente simpáticos que estavam já puxando do farnel.
Convidam-nos para o repasto,
pão libanês, conservas, leite.
Eu ofereci o que tinha, aparelhagem para abrir latas, dodots para limpar as mãos e tâmaras e aproveitei o tempo para falar e, claro, comer.

Eram homens de negócios que iam para Marrocos em busca de os conseguir, mas com o decorrer da conversa já eram turistas que iam passar férias a Marrocos, não interessa, comemos bem e ainda nos deram chá feito à moda do Líbano, e presentearam-nos com café em pó que ontem fiz em casa, na cafeteira, e que pensava ser igual ao que bebia na Turquia e que me fez ir comprar uma lata de Nescafé, mas não, é saboroso, aromático e com gosto a perfume de flores.

A barreira foi aberta e lá passámos com os nossos amigos libaneses, que usaram na primeira fronteira passaportes senegaleses e na segunda marroquinos.
Que tenho eu a ver com isso, foram simpáticos e comi melhor do que só tâmaras.

No caminho para cima, na meditação habitual ajudada pelo barulho do rodar dos pneus no asfalto, lembrei-me de uma situação idêntica de fecho da mesma fronteira e à mesma hora, e também dessa vez comi com uns libaneses homens de negócios que também iam para Marrocos de férias, coincidência, hum?

Espero que os satélites não nos tenham tirado fotos durante o vivo convívio.

O resto da tarde daquele dia foi de uma óptima progressão, que nos levou a horas um pouco adiantadas aos lençóis do hotel de Layoune, o mesmo onde o exército da ONU também pernoita, mas sem que antes não desperdiçássemos a oportunidade de comer, no Cabo Boujadôr, uma ceia de peixinhos assados na brasa, numa tasca, que tinha mais gordura nas paredes, chão e tecto do que a que existia nos próprios peixes.

Tinha que prestar contas das refeições e já tinha deparado com dificuldades diversas na passagem das facturas,

mas ali foi o auge.

O dono da tasca, ao pedir-lha, fez o gesto manual de não ter esferográfica e eu arranjei-lhe uma; como o gesto se mantinha, seria de certeza falta da factura, tendo eu ido buscar um “guardanapo”.
O pior foi quando descobri que o homem não sabia escrever….
Mas que importa, o peixe ali é muito barato e paguei eu.

Layoune ou El Aaiún - capital do Sahara ocidental

Acordei mais cedo do que os meus colegas de viagem e, enquanto eles tomavam o pequeno almoço, busquei na saída da cidade uma estação de serviço para mudar filtros e o óleo do meu jipe que, apesar de boa qualidade, já tinha sofrido demasiado.

Estória
Título:
Estação de serviço com mecânico muito especializado…
ou

Lei de Murphi. Quando se muda o óleo pode haver problemas,
mas tantos....
ou

O pior foi

O pior foi que havia duas estações de serviço mas não mudavam óleo, só na cidade.
Voltei atrás e, depois de muitas tentativas, encontrei na mesma rua duas pequenas oficinas.
Parei apreensivo em frente de uma delas, mas quase de imediato aparece o dono que, pelos cumprimentos efusivos, me devia conhecer desde pequeno, mas como não me lembrava disse-me logo para meter o jipe lá dentro, porque ele era um mecânico de aviões e helicópteros e como estava reformado abriu aquele negócio.

Fique logo mais descansado e com cuidado lá introduzi o jipe na porta que pouco mais larga era do que o carro e
o pior foi
quando apurei que, apesar da frente do carro estar encostada à parede, as rodas traseiras do jipe permaneciam no exterior, ficando assim o motor desnivelado e logo o óleo não escorreria todo.

Mas cinco litros de óleo novos, juntos com um litro do que não escorria, era melhor do que seis litros de óleo usado.

O pior foi
quando fui escolher o óleo, apesar de boas marcas parecia estar nos anos 50 e perguntei-lhe se não havia melhor, respondendo-me ele que no armazém ao lado havia e que podíamos ir lá escolhê-lo.

Acedi mas
o pior foi pois para sair apurei que havia apenas 20cm entre a porta e o carro e aprontei-me para tirar o carro, único modo de chegar à rua.
Logo o dono da oficina disse:
-não é preciso olhe e passou.

No Dakar tinha emagrecido cinco quilos, se calhar dava, experimentei, forcei e resultado,

o pior foi
que fiquei entalado entre a porta e o jipe,

auxiliado pelo ajudante de mecânico que me empurrava e pelo mecânico que me puxava para o exterior.
Resolvi expirar todo o ar e eis que a manobra ficou concluída, mas
o pior foi,
a t-shirt acabadinha de vestir ficou besuntada de óleo de ambos os lado e suja frente e trás.

Lá me dirigi para o armazém que afinal era perto, mas que afinal era a outra oficina, a do outro colega do mecânico e onde afinal
o pior foi os óleos serem todos iguais aos que eu acabara de ver.
Disse ao mecânico que desistia da mudança do óleo e voltei para a oficina para retirar o jipe.
Mas
o pior foi entrar?
Experimentei o outro lado do carro onde a distância entre ele e a porta me pareceu maior, conseguindo completar a manobra sem qualquer ajuda, sujando menos a t-shirt mas rasgando-a ao prender-se em qualquer coisa.
Que importa, já tinha pensado pô-la no lixo por tantas nódoas de óleo.

O pior foi quandoAvaliei então a eficiência da oficina, o ajudante do mecânico sem ter dado conta, já tinha tirado todo o óleo do meu carro.
Lá voltei à outra oficina, escolhi um óleo que me pareceu com características de menos mau, oriundo dos Emiratos Árabes e
o pior foi querer por força da qualidade, que o preço fosse superior aos dos outros, mas que eles garantiam ser do mesmo preço, ao que pensei, pois não gosto de ser enganado, ser isto uma consequência do mercado árabe unido…

Paguei o óleo e como o mecânico já o levava corri para a outra oficina para verificar se de facto era daquele óleo que iam meter.

E o pior foi que conseguiram chegar primeiro, para entrar tive de me baixar para não destruir mais a t-shirt, e cheguei já com a extracção do resto da primeira lata de cinco litros, e a preparação de imediato da colocação dos segundos cinco litros.
Protestei e disse que tínhamos de ver o nível.
O nível na vareta mostrou estar um pouco abaixo do máximo, ao que proferi:
-metam só um pouco
Então, para medirem, pensei eu, deitaram o meu óleo para outra lata de dois litros aparentemente vazia (?) e
o pior foi quando começaram a deitar todo o conteúdo para dentro do motor.

Comecei a gritar para pararem, ao que o mecânico dizia não, pois já se tinha apercebido que o carro levava sete litros, gritei mais e lá pararam.
O pior foi quando fomos ver o nível que confirmou o que já sabia, estava uns dois dedos acima do máximo.

Agora dizia o mecânico:
Vamos tirar.

O pior foi que tinha a certeza que passaria ali o dia metendo e depois tirando e depois faltava e metia mais.
Queria mudar o filtro de gasóleo e o do ar mas desisti.

O homem só sabia trabalhar em aviões e helicópteros
(nunca mais aprendo).

Perguntei quanto era:
O que eu quisesse
Ham … e insisti
Cem Dm.
Ham… dois contos, tanto?

Pensas que sou americano.
Toma lá cinquenta.

Tirei o carro e retirei dele uma nova t-shirt que vesti, dei a outra ao miúdo ajudante do mecânico, despedi-me deles e ao entrar para o jipe (não o consegui a tempo)
o pior foi que auferi duas palmadas nas costas de despedida do meu “amigo” mecânico,
o pior foi com as mãos ainda sujas de óleo.

Fugi
a pensar que, sentado no jipe, a t-shirt não pareceria suja, e que só a mudaria a cem quilómetros dali.

E o pior foi

como explicar aos meus apressados companheiros que esperavam por mim na saída da cidade, junto ao rio, quando me fizessem a pergunta:

O porquê de tanta demora a mudar o óleo?

A resposta:
África,

Será que era plausível?

2007/02/13

Euromilhôes Lisboa Dakar 2007
(falta completar com fotos)

Ainda não acabei de escrever a última estória e estou já a contar-vos, de facto, as últimas estórias que tenho o “karma” de me estarem sempre a acontecer..

Estas passaram-se em Janeiro último, na expedição que acompanhou o Lisboa Dakar 2007 e para a qual fui contactado ou convidado, como queiram, para trabalhar.

A expedição estava toda programada e, com a nossa empresa a fazer a logística, tudo ou quase tudo correu bem, pelo que as estórias são para mim menos interessantes…

As minhas aventura só começam no regresso, a partir da fronteira do Senegal quando, por motivos de chamamento do nosso “ganha pão”, eu e mais dois colegas da expedição, em dois jipes, resolvemos deixar os outros sete veículos da organização e metemo-nos à “estrada”.

Precisava de chegar mais cedo a Portugal, mas:

Estava muito apreensivo com o regresso.

O meu jipe, depois de cerca de dez mil quilómetros de ”estradas” e pistas de África, não estava nas devidas condições.

O ponteiro da temperatura mostrava aquecimento, no habitáculo o cheiro a gasóleo misturava-se com cheiro de escape e alguns muito audíveis e estranhos barulhos, que não provinham do rádio, não mostravam bom augúrio.

Tinha à minha frente muitos quilómetros de viagem na zona mais inóspita do planeta, o atravessar do Sahara.

Dos cinco elementos que acho necessários para atravessar um deserto, faltavam-me dois: o saco cama, que tinha perdido no último bivouac do Dakar, e um carro em boas condições mecânicas.

Por outro lado, tinha a agravante de ter como companheiros de viagem, no outro jipe, duas pessoas com muito mais pressa do que eu para chegar a Portugal e que não conseguia prever como reagiriam no caso de imobilização (avaria) da minha viatura.

O meu jipinho, eu nunca poderia abandonar,
pois tinha no seu interior aparelhagem médica de muito valor, que incluía um ecógrafo, um monitor cardíaco com desfibrilhador, duas macas cocki, aspirador, talas, planos rígidos, medicamentos, computador, etc....

E mesmo que não houvesse todo esse material, o meu jipe até hoje nunca me apeou, e apesar de eu por vezes o tratar mal, (nesta expedição até caí duma duna, mandando para Alá o apoio de um dos amortecedores) adoro-o, pelo que também eu nunca o abandonaria (os homens são assim).

E assistência em viagem é uma das miragens possíveis naquela zona.

Tinha, no entanto, uma esperança, caso ficasse sozinho no Sahara, todo o restante grupo me encontraria o mais tardar três dias após, pois o trajecto que iriam fazer era idêntico ao meu.
Nesse grupo vinham mecânicos e a possibilidade de reboque para porto seguro.

O grande Prémio do Lago Rosa.

Deixámos Saint Louis, uma cidade cuja vista através e para além da ponte, bem como a chegada ao Hotel histórico La Poste, se mostrou muito mais romântica e mítica do que o Lago Rosa ao qual, na minha mente, eu aplicava esses adjectivos, e onde senti uma emoção por ali estar e uma desilusão ao pensar:


Isto é que é o Lago Rosa?


A nossa expedição tinha horários a cumprir e não havia tempo para grandes visitas e eu estava aperreado como médico do grupo, não me podendo “desenfiar” para ver um pouco mais do Lago Rosa e da aldeia junto a ele, aparentemente de aspecto bastante típico e com bastantes roliças agradabilíssimas à vista.

(Roliças são uns seres denominados pelo meu grupo, que existem em abundância no Senegal. Segundo dizem, estas roliças são as melhores de África.
Mais pormenores?
Todos as achámos perdidas de boas.)


Além disso, dois dias mais tarde, voltaria ao Lago Rosa para assistir ao final do Lisboa Dakar 2007, o Grande Prémio do Lago Rosa; mas nessa altura a desilusão ainda foi maior, pois não só havia corte de acessos pela polícia, como fui colocado no Bivouac VIP da chegada do Dakar.

Quando lá cheguei, claro que gostei, pelo que representava aquele lugar, por estar a assistir ao final de um Dakar no mais privilegiado dos lugares.

Mas para mim esta presença na tenda VIP nada mais teve do que isto, pois preferia ter visto o Lago Rosa e o princípio, o meio ou o fim do Grande Prémio, e não o fiz por o dever se impor à vontade.

Aproveitei o tempo para falar com os nossos pilotos, pelos quais nutro muita admiração, principalmente pelo Carlos Sousa e pelo Hélder Rodrigues, que conseguiram o resultado máximo possível, pois ambos se classificaram em primeiro lugar da segunda corrida do rali, a dos privados.

Desejávamos para o Carlos o primeiro lugar dos Volkswagen e sei que o podia ter alcançado,principalmente após a desistencia do Villers, tal como teria obtido melhores resultados nas etapas se, tal como eu, não estivesse por vezes aperreado em conseguir a sua vontade.

Melhor resultado para o Carlos na geral seria difícil,
pois bater a fiabilidade dos MITSUBICHI É IMPOSSÍVEL.
É DEVIDO A ESSA IMPRESSIONANTE FIABILIDADE QUE A MITSUBITCHI CONSEGUE GERIR TODA A PROVA À SUA VONTADE.

Falei também, e uma vez mais, com a Elisabete Jacinto, uma figura simpática e aparentemente frágil aos comandos do seu camião, dei os meus parabéns aos meus amigos, os manos Inocêncio, o Francisco e o Nuno e ao também meu amigo Ricardo Leal dos Santos que conseguiu, pela segunda vez, terminar a solo mais um Dakar, obtendo mais uma vez o primeiro lugar a solo nos jipes (buggies não são jipes) e não houve mais tempo para dar parabéns aos outros Portugueses, mais não fosse, por terminarem a prova, nem sequer para o nosso amigo do Defender, com o qual também tenho uma estória, que já agora conto.

O nosso amigo do Defender

Falei pela primeira vez com ele na partida de uma das etapas, como faço com todos os portugueses, não sei é em qual delas foi, pois o volume de toda a informação recebida foi tal, que a memória já me falha; recordo o que aconteceu, mas o onde, foi-se.

Neste Dakar tive uma atitude diferente da habitual, de só falar ou fotografar os pilotos e as suas máquinas.


Aconteceu quando me colocaram numa zona de passagem do rali e que era ao mesmo tempo zona de reabastecimento das motas.

Eu gosto muito de carros, mas nutro pelos motards uma grande admiração, não só por não ser capaz de fazer o que eles fazem, mas também por pensar, em relação aos carros, que se me pusessem um bólide daqueles nas mãos, seria o Ruben dos carros e que, “aquilo havia de dar o máximo, ai isso havia, e se calhar também lhe partiria o motor”, mas nas motas precisava que o tempo voltasse para trás.

Motards

Mas sinto e sei que os motards são os verdadeiros heróis do Dakar e pronto, eis-me no meio deles, e parado é atitude que só obrigado perfaço.


Assim tive a honra de ajudar o Cyril Despres , limpei-lhe os óculos, dei-lhe água, retirei-lhe o road book e ajudei-o a montar o seguinte, guardando no meu bolso o anterior, para posteriormente ser por ele autografado.

Tive a nítida noção que tinha no meu bolso o road book daquele que viria a ser o vencedor do rali 2007 e, a partir daí, comecei a torcer por isso, sabendo eu que não há, por enquanto, nenhum português, com ajuda, para conseguir tal lugar.

Para mim há três Dakares: o dos pilotos de fábrica, o dos privados e o dos veículos de série, nos quais incluo é claro os jipes.

O Hélder Rodrigues ganhou nas motas, o rali dos privados.

Hélder e Ruben, pode ser que para o ano sejam pilotos de fábrica e, se assim for, um de vocês será o primeiro da geral.

Começaram a chegar mais motas e eu, não conseguindo ajudar todos, virei-me então, como era já meu propósito, para os portugueses e brasileiros.

E eis que chega o primeiro português, corri para ele e disse-lhe:

Hélder, está tudo bem?
Resposta:
Não sou o Hélder sou o Ruben.
Eu, com a pressa, nem sequer vi que a publicidade da mota era a do Algarve.
Era verdade, era o Ruben e o meu contentamento aumentou, pois tinham-me dito que ele tinha partido o motor e tinha desistido.
Perguntei-lhe:
Então, não tinhas partido o motor?
Ao que ele respondeu:
Parti, este já é outro e também já está quase partido.


Fiquei outra vez triste, pois embora conheça mal o Ruben conheço a sua maneira de ser, que admiro na sua grandiosa simplicidade, e sei que ele, tal como eu, gosta de ajudar os outros, tal como o fez, por sua vontade e claro de mota, na volta a Portugal em bicicleta, como me contou um ainda há pouco bivencedor da nossa volta, o grande Joaquim Gomes, (o adjectivo enobrecedor antes do nome tem a ver com ele como pessoa, pois não ligo ao ciclismo; no entanto, parece que da próxima tenho que lhe pedir um autógrafo para o meu filho que, não o conhecendo, o admira).

Claro que também guardei o road book do Ruben e, se valesse alguma coisa limpar-lhe as botas com a minha pele tê-lo ia feito, tal o impulso que tive em ajudar aquele que é neste momento o mais rápido motard português no TT.

Logo a seguir chegou o Hélder Rodrigues e, claro, limpei-lhe também os óculos, os faróis, fui-lhe buscar uma garrafa de água, tirei-lhe o road book mas tive que lho dar, pois, tal como eu, quando corria, guardava todos os road books, não sei é onde, o Hélder também o faz.

Senti e admirei a forma como estes dois motards portugueses se respeitam com amizade e entreajuda, contando um ao outro as vicissitudes que o deserto e os outros concorrentes lhes trazem, não parecendo haver qualquer rivalidade entre eles e dando a ideia que pertencem à mesma equipa.
Garanto-vos que o Ruben, ao fim de um certo tempo de ali estar, sentia-se preocupado por o Hélder ainda não ter chegado e quando lhe perguntei pelos outros portugueses disse-me o Bianchi deve estar a chegar e o Ala chega sempre.

Mas na verdadeiramente última etapa do Dakar, pois era a que contava em tempos para o resultado, Tambacunda-Dakar, lá estive também com o Hélder (já pareço o emplastro) ajudei-o mais uma vez e aproveitei para guardar a parte de papel do road book que eles colam, com fita americana, ao aparelho onde o lêem e guardei-o religiosamente agarrado ao meu passaporte, pela respectiva fita.


Na passagem de alguma das fronteiras alguém, com pouca sensibilidade, devia ter deitado fora aquele pequeno papel.


A minha única esperança é a de que tenha voado e que neste momento esteja misturado em pequenos pedaços com a areia do Sahara.


Já que não o posso ter, que seja o meu Sahara a guardá-lo.

Ajudei todos os motards portugueses e a todos quis pôr gotas nos olhos, o que nenhum aceitou. Será que não tenho cara de oftalmologista?

Alguns deles tiveram a ajuda mais especializada de alguns dos portugueses do nosso grupo, incluindo a do meu amigo Didier que, como o nome não indica, é um algarvio de gema e que se considera grande mas não grande coisa, do que eu discordo totalmente pois é, de facto, grande em tamanho e em acções.

Recebi a simpatia do Bianchi Prata, que até já me conhece e me trata por Dôttôr e do Ala que, com as suas calmas, me obrigou a tirar as rações do bolso do blusão, pois já temia que não tivesse tempo para meter calorias antes de terminar o tempo concedido.

Quando se acabaram os portugueses andei à procura do brasileiro Azevedo, que não vi, e que partiu sem eu lhe poder dizer nada, (como se isso tivesse alguma importância), mas que foi ajudado por outros portugueses.


Então dei por mim a ajudar os nuestros hermanos, com alguns a mirarem-me com desconfiança, mas com agradecimentos no fim. (Afinal conto anedotas dos espanhóis mas é só garganta, tantas batalhas que lhes vencemos, para quê bater-lhes mais? Neste momento têm melhor economia do que nós e eles agradecem aos nossos “bons” políticos, pois assim podem comprar as nossas empresas, as nossas herdades, etc. mas não terão nunca a nossa simpatia, as nossas praias, a nossa comida e as nossas mulheres, que espero nunca casem com eles, já que “de Espanha nem bom vento nem bom casamento”; excluo desta lamúria os galegos, que são cá dos nossos).

Aproveitei, entretanto, para ver os primeiros carros, não deixando aquele local, só o fazendo com a passagem do Carlos Sousa, que recebeu uma ovação tão grande de todos os portugueses do nosso grupo quanto o seu valor como piloto.

No saharatt não queria misturar competição com estórias mas como elas se interligam aconteceu.

Mas lá vai uma estória que tem a ver com o destino, que é algo em que não acredito mas que, por coisas que me acontecem, começo a respeitar.

Estória



O DESTINO E O DEFENDER




No nosso acampamento era já escuro, já tinham desligado o gerador, era hora de eu ir dormir, pois os outros já dormiam há pelo menos uma hora e, como sempre, tínhamos de nos levantar cedo para ir ver a partida do Dakar.

Fui ao jipe buscar o meu saco cama, que encontrei, e a minha lanterna, que não encontrei, pois quase tudo no meu carro muda de sítio

Para dormir não é preciso luz e mais ou menos sabia onde era a minha tenda.

Fecho o carro com o saco cama ao colo, marco o azimute à tenda, dou três passos e "entrepico" numa coisa dura, com som metálico, que se mexeu, enxergo o vulto, baixo-me para o apanhar e apercebo-me tratar-se de uma lata de sumo.

Verifico que está cheia, por isso não a posso deitar para o lixo e passa-me pela ideia, aproveitando a “lei do menor esforço”, colocá-la em cima do capot do jipe mais próximo, pois era de onde provavelmente teria caído.

Mas a consciência por vezes impera, achei que o que estava a fazer estava errado, de manhã poderia parecer mal ao dono daquele jipe, e assim agarrei na lata, voltei atrás e, ligeiramente contrariado, abri o meu jipe e joguei a lata para a bagunça por detrás das baquet; devido à luz interior do jipe apurei tratar-se de uma lata de Red Bull e pensei:

Logo me calhou isto?

É que uns dias antes, com o cansaço e falta de café resolvi beber, e de seguida, duas latas daquela coisa, ao que uma alma caridosa me acudiu, dizendo que era demais e como já tinha marchado lata e meia, por ali fiquei, ou melhor, fiquei foi de facto com uma pedrada, sem cansaço, a tremer como se tivesse frio e à noite queria dormir e nada...

Jurei nunca mais tocar em tal produto, mas “nunca digas deste produto não beberei”...

No dia seguinte lá fomos ver a partida do Dakar, numa das etapas da Mauritânia Atar-Tichit, com o novo grupo chegado de avião, na véspera, a Atar .

A opinião que este grupo já deveria ter da minha pessoa não deveria ser grande coisa pois, no aeroporto, à sua chegada, tentei que os aborrecidos, antipáticos, maçadores, impertinentes e enfadonhos vendedores do parque do aeroporto não se aproximassem deles.

Além de insuportáveis, importunos e incómodos naquele sitio, os vendedores são também muito cuidadosos com as coisas alheias que, se puderem, põem à sua guarda, esquecendo-se depois de as devolver.

Não costumo ser assim para os vendedores africanos até porque sou um consumista inveterado crónico, mas garanto-vos que, se alguma vez comprar alguma coisa àqueles “profissionais” ou aos idênticos que se encontram em frente ao Hotel La Poste, corto uma coisa da minha constituição anatómica, que provavelmente será… o cabelo. Estavam a pensar em quê?

Os vendedores Mauritanos(muitos sâo senegaleses) não me obedeciam e eu estava ainda um bocadinho emocionado por ter deixado há pouco o outro grupo, que admirava, pois na sua permanência connosco tinham-se mostrado perfeitos pilotos do Dakar, no esforço que conseguiram suportar e também pelas qualidades humanas demonstradas e, quando é assim, a separação custa.

Ligeiramente desequilibrado, eis-me a gritar desvairado, a afastar os vendedores, que a bem não me tinham obedecido e que a mal também não o fizeram.

Longe estava eu de prever que, naquela partida do Dakar e logo no dia seguinte, o meu grupo me iria novamente ver, a mim, um dos médicos, a gritar e a pedir ajuda e a querer o mais urgentemente possível uma ou mais latas de Red Bull.

E... qual o motivo desta anormal gritaria....


É que todos os nossos carros tinham sido colocados a cerca de dois quilómetros após a partida da etapa, numa recta que só tinha como interesse, mal ver os carros a passar, ou então verificar a velocidade que conseguiam alcançar, e isto para mim não é TT.

Gosto de curvas, obstáculos, areia, dificuldades, atolanços (dos outros) e, como tinha tempo, resolvi ir a pé para a partida e depois, mais um quilómetro para trás, onde podia ver as máquinas e cavaquear com os pilotos.

Aí conheci uma das pessoas do nosso grupo, com a qual ainda não tinha tido a oportunidade de falar, que nem sabia quem era e que, tal como eu, estava também conversando com os pilotos; descobri então que o fazia não só pela mesma paixão que eu, mas por interesses profissionais, por ser jornalista de automobilismo e da nossa bíblia o Autosport.

E lá ficámos nós dois, conversando com os pilotos estrangeiros e nacionais, perguntando-lhes como está a máquina, os azares que têm tido, as esperanças que trazem e até onde esperam chegar e penso que isto serve para os distrair, pois muitas vezes estão fartos de falar sempre com as mesmas pessoas e alguns nem conseguem falar português, como é o caso do Carlos Sousa, com quem me costumo encontrar nestas andanças africanas.

Assim, e de mudança de carro para carro, deparámos com o Defender do Luís Ferreira que eu, no Lisboadakar2007blogspot.com, tanto tinha elogiado, como sendo um dos dois carros portugueses e dos poucos de todo o mundo, praticamente de série que participavam no rali, o que é grato para um amante do TT, e o que permite existir assim no Dakar, como já vos disse, uma outra, e não menos interessante corrida, dentro do rali: a dos carros de série.

Cumprimentámos o Luís Ferreira, que começa por nos dizer que estava numa etapa maratona, já bastante cansado pelas etapas anteriores, aproveitando logo para nos pedir, com ar desesperado, se tínhamos um Red Bull., pois tinha-se esquecido de o trazer e precisava de o beber quando o cansaço apertasse ainda mais.

Disse-lhe que não tinha, mas depois pensei:
No carro tenho, mas estou a três quilómetros do carro e é quase impossível lá chegar a tempo.

Mas, como sempre, lá me veio a tal ideia, que poderá ser para vós um novo ditado
“o que parece impossível, por vezes não o é”
ou
“o que parece impossível a tenacidade por vezes executa.”


e desatei num cross em direcção ao meu jipe, lembrando-me da lata da véspera.

Mas em corrida nunca chegaria a tempo, fiz um quilómetro até à partida da etapa e estava estoirado.
Olho para um Toyota com uma senhora no seu interior e peço-lhe, com um ar desesperado, transporte para o meu carro, que está dois quilómetros mais além e que o solicito, por se tratar de uma urgência, ao que a senhora respondeu não o poder fazer por o carro não ser dela.

Mas não desisti, procurar o dono do Toyota levava tempo, olhei em redor e vi lá longe um jipe militar em movimento, fazendo segurança ao local, comecei a acenar-lhe com ar de aflito e consegui trazê-lo até mim e com o argumento de que era médico e de que um dos pilotos necessitava de um medicamento, consegui introduzir-me dentro do jipe do exército Mauritano, que me levou até ao
meu grupo, que mais uma vez me viu desvairado, a correr e a gritar por uma lata de Red Bull, que pedia para que alguém doutro carro me desse, pois não sabia para que sítio do meu carro e à noite eu a tinha atirado.

Tenho como experiência que encontrar qualquer coisa no meu jipe é sempre uma tarefa árdua e de que por norma desisto, não sei se ainda se lembram de vos ter dito, as coisas mudam de sítio, e mesmo quando ficam ao lado do lugar onde as pus, eu tenho a característica de não as encontrar.

Já coloquei gavetas no jipe, caixas e caixinhas, mas o problema persiste.

Para quê ter sempre tanta coisa se, depois quando as quero, não as encontro.

Mas... e o que faço a tanto objecto, para equipar o jipinho, que compro com tanto esmero e gosto?

E ao gozo que dá descobrir e comprar mais um acessório que, no jipe, servirá para… no meu caso, o mais certo, não encontrar?

Não havia tempo para explicações, as pessoas ainda não me conheciam, a situação era ilógica e de certeza na cabecinha daquela gente havia um clamor a Deus, para que nesta viagem não adoecessem, pois um dos médicos era louco.

Tudo aquilo era absurdo, não consegui ajuda e, agora, até penso que caso alguém me ajudasse, acabaria por ficar mal visto por todos os outros.

Corri para o meu carro e em gestos apressados e tresloucados fui atirando para o chão todo o conteúdo do jipe, para encontrar o Red Bull..


Qual a razão porque tanto gosto de andar sozinho?

Mas agora tinha junto a mim o Chefe da expedição que, como habitualmente acontece, não me compreendia, e que me dizia para parar, pois estava a assustar toda a gente, olhei para ele, balbuciei qualquer coisa, e pensei, mas não lhe disse, “porra, largue-me, deixe-me ajudar o homem”, virei-me novamente para o interior do carro e eis-me com os olhos na lata que na noite anterior tinha encontrado.

Ignorei o chefe, por pensar que a razão estava toda do meu lado, e preparei-me para correr para a pista, sem sequer saber se o Luís Ferreira já teria, ou não, passado e logo


outro problema surgiu (agora talvez comecem a compreender o meu gosto por, por vezes, andar só e longe de todos).


Agora era uma pessoa importante do automobilismo português e internacional e, portanto, com responsabilidades neste sector e que também estava connosco, a avisar-me que era ilegal entregar a lata, pois isso seria considerada assistência, e que numa prova maratona, como era o caso, não podia ser dada pois poderia levar à desclassificação do piloto.

Parei, hesitei e pensei.


A pessoa em causa merecia toda a minha consideração.


Todo aquele meu esforço de ajuda tinha sido em vão.


Mas pôrra, tanta merda só por tentar ajudar quem precisa.
Já se tinham esquecido de que costumo recomendar a toma (o consumo) com moderação de Red Bull às pessoas habituadas à cafeína e que, em África, não conseguem beber café.

Continuei parado e bruto com tudo e todos, e resolvi olhar para as pessoas do grupo, agora já com um ar de envergonhado mas que, de imediato, passou a contentamento e alegre, pois ninguém estava a olhar para mim.
Toda a atenção do grupo era para admirar a passagem de mais um carro.

Logrei a oportunidade e aqui vou eu,

corri paralelo à pista, afastei-me e um minuto depois, lá está a passar o Defender que, graças a Deus, pára como combinado.
Caso o não fizesse que justificação teria o meu tresloucado acto?

Com a travagem uma onda de pó envolve-nos e ninguém conseguiu espiar a entrega do precioso líquido. (Alá estava comigo).


E, agora, provem lá que eu dei a lata ao homem?...


Tentem lá pôr o homem fora de prova?...


Caso queiram prejudicar o homem, provem lá que houve assistência,
fiquem sabendo que eu nego!...

Com a lata ele chegou ao fim e... sem a lata? Claro que chegaria, mas que eu ajudei, ajudei.(ajuda não confirmada oficialmente)

Tornei a encontrar o dono do Defender no Porto de Dakar, no dia da entrega dos carros para embarque e aproveitei para cumprimentar o seu navegador Luís Serenho e meu colega de profissão.

O piloto, na mangação, pagou-me a lata com a oferta de outra lata de Red Bull.

Mas o Luís Ferreira apercebeu-se logo de que este acto não foi em vão, pois foi tal a sofreguidão e rapidez com que, a meias com o meu mecânico, a bebi, o que deu para mostrar a enorme sede que sentíamos, pois estava muito calor e a espera, ao Sol, da burocracia do porto já fora grande e para beber, nada, pelo que…
”nunca digas, deste líquido não beberei”.

Fiquei depois a cismar nessa coisa do destino e a magicar, desconfiado.

A minha ajuda fora ao piloto ou a nós próprios? pois o Red Bull deu asas à nossa sede e cansaço.

Mas teria de facto ajudado o piloto?

Nunca o saberia porque nunca iria perguntar tal coisa.

Mas eis um novo ditado:


“Nunca digas que nunca saberás”

e ontem na Net lá se encontrava escarrapachado

...E o Defender chegou a Dakar pelo segundo ano consecutivo!
] Luis Neves

Apesar de todas as vicissitudes que caracterizaram a sua prova, pelo segundo ano consecutivo Luís Ferreira conseguiu levar até Dakar o Land Rover Defender do Team 4x4 Rodas, terminando na 100ª posição a edição deste ano da dura maratona africana.



O trágico falecimento de Hugo Filipe, preparador e responsável pela assistência técnica durante a prova, poucos dias antes da partida e já depois das verificações técnicas, afectou seriamente o moral da equipa, que encarou esta participação como uma forma de homenagear o Amigo e o profissional prematuramente desaparecido. Sendo a única equipa participante sem camião de assistência, restou a Luís Ferreira o inestimável apoio do seu habitual navegador das provas de navegação, Carlos Loureiro, que, não sendo mecânico, assumiu o encargo de resolver como pôde os naturais problemas decorrentes da dureza da prova.




Rodando sensivelmente a meio da tabela dos concorrentes portugueses durante a primeira metade da competição, apesar de algumas naturais vicissitudes, a equipa 4x4 Rodas quase se viu forçada a desistir quando se partiu um tirante da suspensão traseira da viatura, ao km 200
da etapa maratona Atar-Tichit,
deixando o eixo praticamente solto. A dificuldade em completar essa etapa, com o eixo traseiro preso por cintas, e o facto de ter chegado ao final apenas uma hora antes de ter de partir para Nema,
obrigaram a Luís Ferreira a conduzir durante 44 horas seguidas, deixando piloto e navegador à beira da exaustão.


Os 900 km de pista com o eixo praticamente solto provocaram também sérios danos no Land Rover Defender, tanto ao nível da suspensão traseira como da transmissão: o jipe ficou sem 5ª velocidade e a caixa chegou a encravar em marcha-atrás, aumentando muito a dificuldade em superar as dunas.
Só a incrível tenacidade de Luís Ferreira

( Vá lá Luís Ferreira, não seja assim

e o Red Bull?)




( e eu... eu?)

conseguiu, assim, levar o carro de novo até ao Lago Rosa, repetindo o feito já alcançado no ano passado.
"Quero dedicar este resultado à memória do Hugo Filipe e à sua família" - declarou Luís Ferreira no final da prova. "Os últimos dias foram muito duros para nós e chegar a Dakar requereu um enorme esforço por parte de toda a equipa" - acrescentou, reconhecendo, contudo, que esta edição foi menos demolidora que a do ano anterior.
"Contávamos com mais areia, tal como no ano passado, piso em que tanto eu como o Defender nos sentimos bastante mais à vontade" - concluiu o piloto português, que conseguiu terminar o Lisboa-Dakar pelo segundo ano consecutivo.


As conclusões desta verídica estória, serão tiradas por vocês.
Numa coisa gostaria que estivéssemos de acordo:


Que são coincidências?
Sim.


Que todas estas coincidências se arrumam aparentemente para um determinado fim?
Sim,


Mas que tudo isto dá que pensar?
Dá.

E cá vai o meu pensamento
e conclusão ilógica.

Tal aconteceu para que o destino permitisse que esta estória fosse contada e dedicada a todos vós, meus queridos companheiros da Primeira Expedição Oficial do Euromilhôes Lisboa Dakar 2007.